Mercadores da Noite #35 - O Brasil precisa de inflação

20 de dezembro de 2017
Precisamos equilibrar as contas

Mercadores da Noite

Caro leitor,    

Em janeiro de 1966, quando eu morava em Nova York com minha primeira mulher, nós estávamos em um elevador no qual viajava também um americano. Não conseguindo decifrar que língua nos falávamos, ele perguntou de onde a gente era.
    
“Brazil”, evidentemente foi a resposta.
    
“Oh, Brazil!”, ele comentou. “Coffee and inflation...” Eram as únicas coisas que ele sabia sobre nosso país.

Quando regressei ao Brasil, a inflação anual de 1966 fora de 39,12 por cento, que equivalia a 2,79 por cento mensal. Na financeira onde eu trabalhava, vendíamos letras de câmbio rendendo 3 por cento ao mês para os aplicadores.
      
Como vínhamos de uma inflação anual de 92,12 por cento, em 1964, quando teve início o governo militar, eu achava 39,12 por cento ótimos. Assim como achava ótima a taxa de 3 por cento ao mês que oferecíamos aos clientes.

Nossos salários funcionavam assim: perdíamos poder aquisitivo de março a novembro. E aí vinha o bom da história: Em dezembro havia o 13º, em janeiro a participação nos lucros da empresa e em fevereiro o reajuste anual.

Eu achava que o Brasil era o país dos três por cento ao mês. Ponto final.

O governo gostava. Reajustava os impostos trimestralmente, pois tinham correção monetária, e os salários do funcionalismo uma vez por ano. Com isso equilibrava o orçamento. Sem contar que os atrasos dos pagamentos aos empreiteiros de obras públicas também sofriam, digamos, essa depuração mensal.

Mais tarde, a inflação fugiu do controle. O desarranjo começou ainda no regime militar, com o primeiro choque do petróleo. Logo o país perdeu as rédeas da moeda. Só sabia mudar o nome: cruzeiro (Cr$), cruzeiro novo (NCr$), de novo cruzeiro (Cr$), cruzado (Cz$), cruzado novo (NCz$), mais uma vez cruzeiro (Cr$), cruzeiro real (Cr$), e finalmente o real (R$), que estabilizou a moeda (apesar de alguns escorregões) e prevalece até hoje.

Já no governo FHC, o Banco Central (embora não independente, mas com autonomia operacional) passou a praticar uma política monetária baseada em metas inflacionárias fixadas pelo Conselho Monetário Nacional, que copiou o modelo praticado na Nova Zelândia, país no qual os dirigentes do banco da Reserva (Reserve Bank of New Zealand), recebem uma gratificação anual quando (e se) alcançam a meta.

Nos últimos anos, nossa meta inflacionária tem sido de 4,5 por cento a. a. com tolerância de 2 por cento (agora 1,5 por cento) para cima ou para baixo. Veio então o momento em que o teto passou a ser a meta. Já no governo Dilma Rousseff, época das desastrosas gestões de Mantega na Fazenda e Tombini no BC, a banda superior da meta se tornou o piso.

Em 2015, a inflação fechou em 10,67 por cento, com as metas estupradas.
Após o impeachment de Dilma, e a posse de Temer, Meirelles assumiu a Fazenda; Goldfajn, o Banco Central. A meta voltou aos eixos, sendo que este ano provavelmente ficaremos abaixo do piso.

Ótimo, não.

Errado! Péssimo!

O Brasil precisa de inflação para equilibrar as contas públicas.

Na introdução de meu livro Bateau Mouche, no qual narro o naufrágio ocorrido no réveillon 1988/1989, escrevo em determinado trecho:

“...os salários haviam subido 585 por cento em 1988, contra uma inflação anual de 933,6 por cento, configurando um dos maiores arrochos da história. Como se não bastasse, o INSS cobria a maior parte de seu déficit corroendo a pensão dos aposentados, usando para isso o estratagema de atrasar os reajustes e os próprios pagamentos dos benefícios, enquanto corrigia mensalmente o recolhimento previdenciário sobre o salário do pessoal ativo.”
    
Não por acaso, 1988 foi o último ano no qual a Previdência apresentou superávit. Naquele ano os servidores públicos também tiveram reajustes inferiores à inflação.

No apagar das luzes de 2017, pouco antes do Supremo entrar em recesso, um ministro daquela corte, Ricardo Lewandowski, tomou unilateralmente as seguintes decisões:

Manteve para o mês que vem o reajuste salarial dos servidores públicos que seria postergado, através da medida provisória 805/2017, de janeiro de 2018 para 2019.

Anulou o aumento da alíquota de imposto de renda para os funcionários que ganham acima de 5.300 reais mensais.

Segundo Lewandowski, essa ausência de reajuste e o aumento da alíquota iriam ferir o princípio constitucional da “irredutibilidade” dos salários.

“Irredutibilidade dos salários”, “vitaliciedade das funções públicas”, “princípio do direito adquirido”, são esses preceitos de nossa Constituição que exigem que no Brasil haja inflação para o governo ter margem de manobra. Sim, porque se a inflação anual é de 2.477,15 por cento, como aconteceu em 1993, aumentar o funcionalismo em, digamos, 500 por cento, não fere nenhum preceito constitucional.

Nos bons momentos de inflação, enquanto o Executivo, o Legislativo e o Judiciário perdem a corrida para o dragão, na iniciativa privada patrões e empregados resolvem isso em um par de horas.

Durante meus anos de mercado, já tive reajustes anuais, como relatei acima, semestrais, mensais, semanais e, pasmem, diários. Isso foi quando meu salário foi fixado em dólares, dólares esses que subiam todo dia.

Há anos que deixei de acreditar em governos, em parlamentos e em tribunais. Com as honrosas exceções de sempre, seus integrantes só olham para o próprio umbigo.

Este ano escrevi para a Inversa uma newsletter que repercutiu bem entre os leitores. Seu título: “Preciso morrer até abril de 2027”. No texto expliquei que, considerando-se que preciso de 2.500,00 dólares por mês para viver com um mínimo de conforto, minha poupança duraria até aquela data.

Como minhas contas (receitas e despesas) estão sempre mudando, atualizo esses cálculos uma vez por semana. A boa notícia, ao menos para mim, é que já posso viver até o dia 17 de dezembro de 2027, quando terei 87 anos e 215 dias de idade.

O melhor de tudo é que essas projeções independem de inflação, de política monetária e de decisões do STF. Independem até das batidas arrítmicas de meu coração e das interconexões de meu cérebro. 
Por outro lado, se as vísceras colaborarem, a data alvo só irá aumentar. E se o alvo se distanciar 12 meses por ano, terei uma poupança eterna.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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