Gritty Investor #5 - O risco do sucesso

9 de junho de 2017
Razões para o Brexit dar certo.

Gritty Investor

Oi,

Até agora, a maioria dos comentários que recebi sobre as newsletters foi exageradamente elogiosa. A única crítica é que os textos tendem a ser curtos demais. Gostei de saber disso. Acho um desperdício do seu tempo ler em dez páginas o que pode ser lido em duas. Acredito também que a melhor forma de transmitir uma ideia é contar uma história (verdadeira ou não). Nem sempre isso é possível, mas esta semana eu tenho uma muito boa.

Quem me contou esse causo foi meu amigo Pedro Scarpa. A irmã dele, Isabela, sempre foi a mais inteligente da casa. Estudou Ciência da Computação e, nessa fase, conheceu seu futuro marido. Quando terminaram o curso, ele decidiu ir para os EUA continuar seus estudos.
Combinaram o seguinte: iriam juntos, só que ela trabalharia enquanto ele estudava. Era uma vida dura a dela. Terminando o mestrado, ele decidiu fazer uma especialização. E ela continuou pagando as contas. A família estava preocupada. Quando esse rapaz vai começar a colocar dinheiro em casa?

Mas ainda tinha mais. Terminada a especialização em ciência da informática ele escolheu o cinema, que ele considerava a sua verdadeira vocação. Tanto estudo e o cara decide fazer CINEMA? E ela continuou pagando as contas...

Brexit – Um desafio ao globalismo

No dia 23 de junho de 2016, o mundo dormiu acreditando que o Reino Unido ratificaria sua posição na Europa e não sairia da União Europeia (UE). Porém, o primeiro-ministro conservador David Cameron, que era até então o mais jovem primeiro-ministro do Reino Unido e defensor da permanência na UE, foi derrotado por uma margem estreita de 51,9 a 48,1 por cento. A maioria, nunca retratada nas pesquisas, escolheu sair do Euro.

Cameron, após seu erro de cálculo político, sem condições de liderar o processo do Brexit, abriu espaço para Theresa May, até então ministra do interior e defensora da saída da UE. A principal razão levantada por aqueles que argumentavam a favor do Brexit era reassumir o controle das políticas de imigração no Reino Unido. Um eventual sacrifício na esfera econômica era o preço a ser pago. Algumas empresas, principalmente os bancos, prontamente reagiram, anunciando que sairiam do país com o Brexit.

O que se seguiu foi um choque nos mercados – a libra se desvalorizou fortemente e muitos alardearam uma crise de proporções cataclísmicas. Uma certeza: o Reino Unido iria mergulhar numa crise econômica por causa dessa decisão. Será que, isoladamente, teria poder de barganha para fazer acordos unilaterais vantajosos? Será que o mercado local seria suficientemente grande para atrair investimentos?

No meu modo de ver, essa narrativa de catástrofe econômica é necessária, porque o risco político de um país que saiu do Euro prosperar é muito grande para ser tolerado pelos líderes atuais.

Existe uma minoria em cada país que gostaria de ver isso acontecer. Porém, o medo de um colapso econômico para quem o fizer previne a maior parte do eleitorado de fazer esta escolha. Um exemplo de sucesso pode mudar esta percepção e colocar ainda mais pressão em um modelo que, no meu entendimento, não vai sobreviver no longo prazo.

Um ano depois, a economia continua forte. Com a desvalorização da libra, a inflação subiu ligeiramente e o Banco Central inglês (BOE), que inicialmente estava preocupado com uma queda na atividade, se viu obrigado a mudar de postura. A libra que chegou a GBP/USD 1,21 recuperou parte das perdas e hoje gira em torno de GBP/USD 1,30.

Minhas razões de por que o Brexit pode dar certo:

- A União Europeia exporta GBP 290 bilhões e importa GBP 230 bilhões do Reino Unido. A parte superavitária (UE) perde mais na hipótese de criação de barreiras alfandegárias.

- 80 por cento do PIB do Reino Unido é de serviços. Londres está geograficamente posicionada para ser um hub global. Sem as amarras da UE, a Inglaterra teria muito mais facilidade em aprovar medidas que atraiam empresas e investimentos nessa área.

- A Suíça é o exemplo mais claro das vantagens de se estar ao lado da UE sem fazer parte do bloco.

O problema é que um eventual sucesso do Reino Unido pode dar força para um movimento de desintegração do Euro. Esse seria um evento que causaria um terremoto nos mercados. Mas isso é um problema que só vai ser enfrentado num futuro distante e nada de relevante pode ser feito hoje para ganhar com esse movimento. Exceto comprar um pouco de libras para portfólios de longo prazo. Mas isso é só para uma parcela pequena do investidor.

Últimas notícias

O Partido Conservador de Theresa May foi o grande perdedor nas eleições gerais de ontem (08/07) convocadas pelo próprio partido. Apesar de May continuar no poder, o partido perdeu maioria absoluta no Parlamento e agora o governo tem que ser formado por uma coalizão. Como a maioria dos partidos apoia o Brexit, o processo continua, mas a forma pode sofrer mudanças agora. Esse foi outro erro grave de cálculo político do Partido Conservador, já que, originalmente, as eleições só deveriam ocorrer em três anos.

Governos de coalizão tendem a ser mais fracos e a instabilidade política deve continuar no Reino Unido. Mas, analisando como brasileiros vivendo na terra da Lava Jato, o conceito de instabilidade política está em um outro patamar. Instituições fortes como o parlamentarismo britânico estão entre os elementos que tornam aquele território um polo de atração de capital e de pessoas capacitadas. Esses são os elementos fundamentais do sucesso econômico.

O final feliz

Voltando à nossa história inicial... Isabela e Carlos Saldanha continuam casados. Eles têm quatro filhos e moram em Nova York. Depois de trabalhar como diretor de criação na Sky Studios, Carlos ganhou o Oscar em 2006 como diretor da animação “A Era do Gelo”, consolidando sua carreira no cinema. Ele ainda é o artista da casa. Ela ainda cuida das finanças.

Um dia ainda saberemos o final da história da saída do Reino Unido da União Europeia.

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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