Gritty Investor #4 - Mapa da Incerteza

2 de junho de 2017
Um pesadelo hoje pode se revelar uma benção no futuro

Gritty Investor

Oi, 

Hoje gostaria de ressaltar uma questão importante sobre seguir planos. Para os que já me conhecem, peço um pouco de paciência se eu soar repetitivo.

Acredito que o Ibovespa se move em grandes ciclos. Esses ciclos estão associados a um modelo político e econômico que o sustentam, nascendo, atingindo o apogeu e depois declinando. Minha tese de investimento é a de que iniciamos um novo ciclo de alta em 2015 que vai durar alguns anos ainda. Se isso for verdade, devemos nos preparar para ele; devemos ter um plano de ação.

Interrompo agora a programação normal para contar o que me aconteceu domingo passado no Ironman Florianópolis. Sim, eu faço triátlon e a prova de Ironman consiste em nadar 3.800m, pedalar 180km e correr 42km. Era esse o plano que eu tinha para domingo.

Essa distância exige muita preparação nos treinos e planejamento no dia da prova. Eu já havia competido nesse percurso em 2015 e 2016 e estava bem preparado. Os mais bem classificados conseguem vaga para participar do campeonato mundial no Havaí – para muitos, um sonho. Como já tinha assegurado minha vaga em outra prova, nesse dia, além de querer completar, eu estava torcendo para que minha esposa, que também compete, conseguisse a vaga para o Havaí.

A previsão de um dia chuvoso e frio assustava alguns, mas eu estava especialmente tranquilo, pois prefiro provas frias. Fiquei aliviado de ver o mar calmo; a natação sempre foi minha pior modalidade. Dada a largada, me senti muito bem. Nadei meu recorde pessoal e saí para pedalar numa posição que para mim era excelente. Nos primeiros quilômetros do ciclismo tive aquele pensamento: “Hoje é meu dia”. Estava indo rápido e com uma sensação de esforço baixo. Tudo estava saindo melhor que o planejado.

Depois de um tempo notei que meu pneu dianteiro estava murchando. Obviamente, depois da frustração inicial, lembrei mentalmente do meu plano caso isso acontecesse. Existe um produto que sela pequenos furos, mas dada a grande procura ele estava esgotado. Tive que parar e trocar o pneu furado pelo reserva. Fiz isso rapidamente, inflei o pneu com um tubo de CO2 de alta pressão e voltei para a prova. Em menos de 500 metros, o pneu que eu estava usando, que era o reserva e sempre ficava dobrado sem uso, explodiu e eu tive que parar de novo. Nessa hora, já não havia mais planos feitos e tive que improvisar. Usei o pneu furado novamente.

Como ele estava perdendo pressão lentamente, decidi que iria inflá-lo quantas vezes fosse necessário para completar a primeira volta, quando seria possível trocar a roda e seguir na prova. Depois de um tempo, parei no apoio, enchi novamente o pneu e segui. Ganhar a prova estava fora de questão. Só restava completar. Esse era o plano. Era, porque pouco tempo depois o pneu traseiro também furou e não tive escolha: abandonei. Vi o líder passando na segunda volta, a caminho de quebrar o recorde mundial. A vontade de participar ainda me impedia de agir. Mas, sem opção, peguei um táxi e voltei ao hotel.

Decidi então voltar para a última etapa da prova e fazer a corrida ao lado de minha esposa. Nessas provas, ter alguém controlando o ritmo ajuda bastante. Saímos para correr juntos e eu sabia que ela tinha chances de se classificar. Só essa corrida já renderia uma história, mas ao final ela conseguiu. Em uma prova de 10 horas, ela passou 1 minuto e 20 segundos à frente daquela que disputava a vaga com ela. Mesmo que fora do plano, um final feliz!

Mas o objetivo não é contar aqui o que aconteceu comigo numa prova de triátlon. O objetivo é entender a importância e as limitações de termos um plano. Se você acredita que estamos num ciclo de alta, tenha um plano geral de alocação para esse ciclo. Estudando os ciclos anteriores, o investidor pode se preparar para o atual.

Assim como nos esportes, o segredo do sucesso começa muito antes, na preparação. Mas nem toda preparação do mundo vai garantir o sucesso em todo investimento. Ninguém ganha uma prova antes da linha de chegada. As coisas dão errado e temos que saber lidar e nos preparar para isso. O que parece um pesadelo hoje pode se revelar uma benção no futuro. Ou não. Assim é a vida.

E se eu estiver errado?

Tudo estava caminhando muito bem em maio. Após um ceticismo inicial com a capacidade do governo de aprovar a reforma da Previdência, tudo parecia encaminhado para que um projeto, ainda que imperfeito, fosse aprovado. A habilidade do atual presidente, um experiente parlamentar, parecia estar sendo especialmente útil nesse momento. Eu quase podia sentir o mercado pronto para romper as máximas históricas. Reformas aprovadas, juros caindo, PIB voltando a crescer e o Lula, o verdadeiro risco, sofrendo reveses mortais na Lava Jato. Dava até para sonhar com um Doria presidente. Aquele evento que faz o mercado dizer “desta vez é diferente” para justificar a compra de bolsa na alta. O que poderia dar errado?

Plantão do Jornal Nacional anuncia o desastre: se o acontecido fosse um roteiro de cinema, eu acharia o autor exageradamente criativo. Não é factível um presidente se deixar gravar numa conversa clandestina com um empresário enrolado em investigações criminais. Mas o que era impensável no cinema se tornou verdade na vida real. Independentemente da sentença da justiça, o governo Temer acabou ali.

O mercado reagiu à altura: circuit breaker na bolsa, no dólar e nos juros. Mas o ser humano tem dificuldade de aceitar mudanças. Busca racionalizar a catástrofe e cria uma história de superação. O mercado começou a ver uma articulação para salvar as reformas, mesmo que Temer não sobrevivesse. E, pouco a pouco, um otimismo moderado surgiu. Um que conseguia encaixar a realidade atual aos planos anteriores. Será isso possível? Mas por mais que eu quisesse que o pneu não tivesse furado na prova, ele estava murchando. Nada seria igual ao que era antes. Eu tinha que parar e trocar o pneu. Acho que é isso que devemos fazer agora. Parar, reavaliar e seguir em frente.

A dinâmica da política e dos mercados não é a mesma. Brasília não se importa com a sua carteira de investimentos. Brasília só se importa com o que acontece em Brasília. Esse impasse pode continuar e a janela das reformas vai se fechar. Daqui a pouco todo o foco vai para eleições de 2018 e, se isso acontecer, qualquer reforma só vai ser definida em 2019. Assim, quem ainda esta tentando encaixar a realidade atual aos planos antigos vai se decepcionar e vai perder dinheiro. E o que acontece se estiver preparado para o pior, e a reforma passar? Se tudo se resolver rapidamente e a reforma passar, você ainda vai estar vivo e preparado para aproveitar o ciclo de alta que vai durar anos, não meses.

Além disso, não é possível analisar a situação de maneira isenta quando temos uma posição formada. Nossa opinião é influenciada pela nossa carteira. Nossa carteira é fruto de nossa opinião. Esse é um dos aspectos da teoria da reflexividade de Soros. Mercado X realidade X percepção estão constantemente interagindo entre si e se transformando no processo. Sugiro agora a você que procure um distanciamento da situação, um espaço para observar e decidir o que fazer no futuro.

Dito isso, ainda acredito que estamos num ciclo de alta. Para essa hipótese ser falsa, temos que aceitar que o ciclo de baixa ainda não acabou e que, portanto, não vimos as mínimas do mercado. Essa tese alternativa implicaria em ver o Ibovespa, atualmente negociando em USD 18.800 pontos, cair abaixo dos USD 9.100 de janeiro de 2016. Acho essa hipótese remota.

Se a hipótese mais provável é a de um ciclo de alta, temos que olhar para os ciclos anteriores. Ainda falta muito para esse ciclo se exaurir, tanto na amplitude do movimento, quanto na duração. Mas mesmo nos ciclos de alta, nossa convicção e nossa resiliência são testadas em eventos como os que vimos ocorrer em maio de 2017.

Quem tinha planos de alocação maior em bolsa, aguarde. Quem está alocado no máximo, talvez faça sentido reduzir um pouco. Vejo risco no alongamento de carteiras no Tesouro Direto. Acredito que estamos numa tendência de alta. Mas eu posso estar errado. Essa frase SEMPRE é verdadeira.  

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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