Mercadores da Noite #63 - Cafetões e cafetinas

28 de maio de 2018
Greve divide opiniões pelo país

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Desde que a greve dos caminhoneiros começou, ouvi opiniões das mais divergentes, seja dos políticos oportunistas (pleonasmo?), dos assessores de Michel Temer, dos analistas políticos dos jornais e da TV. Pena que nenhum deles falou sobre o óbvio.

Por que será que o país tem de se sujeitar a um preço fixo nas refinarias de petróleo e não deixa o mercado impor suas regras, incluindo as greves e a livre concorrência de preços?

Esse é o ponto fraco do setor petrolífero, que por sinal atende pelo nome de Petrobras, estatal travestida de sociedade anônima de capital misto e aberto.

Em janeiro de 1939 foi descoberta a primeira jazida de petróleo no Brasil, no Recôncavo Baiano. Embora nada indicasse que lá havia grandes reservas, a notícia causou enorme entusiasmo e atiçou o fervor nacionalista, típico da Era Vargas.

Durante a Segunda Guerra, quando houve escassez de combustíveis no país (o petróleo americano era destinado ao consumo interno, ao esforço de guerra e não podia ser exportado), até que o óleo do Recôncavo serviu de alguma utilidade. Melhor um pouco do que nada.

Terminado o conflito, o petróleo voltou a jorrar (do porão dos navios que o traziam do exterior para os portos brasileiros). Mesmo assim surgiu, em 1947, a campanha “O petróleo é nosso”.

Em outubro de 1953, durante o segundo governo Vargas, foi criada a Petrobras para explorar a preciosa commodity, cuja produção nacional continuava muito pequena.

Como havia alguma controvérsia sobre o assunto (temos ou não temos?), no início dos anos 1960 a Petrobras contratou o geólogo americano Walter K. Link para pôr uma pá de cal no imbróglio.

Após extensas pesquisas, Link divulgou quatro relatórios, nos quais a conclusão foi a de que o Brasil não possuía jazidas relevantes em seu território (naquela época a exploração submarina apenas começava no mundo).

Walter Link foi taxado de traidor, vendido aos interesses dos trustes americanos, etc., etc.

Tendo o monopólio da importação, a Petrobras até conseguiu ganhar dinheiro. Com o petróleo dos outros países.

No início dos anos 1970, a empresa descobriu jazidas importantes em águas profundas na bacia de Campos. E passou a explorá-las, com sucesso crescente, até que o Brasil se tornou autossuficiente em hidrocarbonetos, quando sobreveio a descoberta do pré-sal.

Não satisfeita com a exploração, a Petrobras dedicou-se ao refino e à distribuição. Como toda estatal que se preze, a companhia sempre foi usada para fins políticos. Um presidente da Câmara dos Deputados, o nada saudoso Severino Cavalcanti, queria para si a indicação da “diretoria que fura poços”. Houve também o escândalo do Petrolão, a compra da refinaria de Pasadena, etc., etc.

Veio então Pedro Parente, que impôs um mínimo de gerenciamento à empresa. Só que nunca deixou de existir um ponto fraco: O preço do petróleo nas refinarias é fixado pela Petrobras.

Agora imaginemos que, desde 1939, quando foi encontrada a jazida na Bahia, a exploração tivesse sido concedida a quem pagasse mais pela concessão, fosse a Shell, a Exxon, a British Petroleum, ou até mesmo uma fictícia Silva Santos tupiniquim.


Cada qual teria seu custo de exploração, o direito de importar ou exportar o produto. Melhor: haveria livre concorrência, vale dizer competição.


A crise que o país vive simplesmente não estaria acontecendo. Não haveria como os caminhoneiros, ou as transportadoras, exigirem a redução do preço fixado nas refinarias, simplesmente porque não haveria preço fixado.

Cada uma dessas empresas teria seus poços. Elas, ou outras, especializadas em refino, suas próprias refinarias. Cada posto de abastecimento compraria de quem oferecesse o menor preço. Repito: isso se chama competição.


Embora esteja causando grande sofrimento e angústia à população, o episódio atual tem o mérito de mostrar que o Brasil precisa vender suas estatais. Governos simplesmente não são confiáveis e não devem se meter a fazer negócios.

Apesar de terem entregue até as calças aos grevistas, a administração (administração?) Michel Temer não recebeu quase nada em troca. E qual é a garantia de que a greve dos caminhoneiros não se seguirá a dos petroleiros, que poderão exigir as calças, as cuecas e a... (deixa pra lá)? E vão receber, é claro. Quem poderá ficar com ciúme são os funcionários dos Correios. E os das estações de tratamento de água. E os controladores de voo.

Quando um país vira zona, são os cafetões e as cafetinas que mandam.
Tudo isso que detonou a atual greve aconteceu, repito, porque a porra do preço do petróleo é fixado e não deixado ao sabor do mercado. Da livre concorrência.

Não sou muito de dar recomendações específicas para a Bolsa. Mas hoje digo com a maior convicção: “Estatais, não comprem. E vendam as que possuem.”

Na semana passada, quando estava na sala de embarque do aeroporto Santos Dumont, para viajar para São Paulo, vi um pronunciamento do Ciro Gomes num monitor de TV. Ele defendia fervorosamente a Petrobras e a demissão de Pedro Parente.


Um dia antes, assisti, num talk show, também da televisão, o Jair Bolsonaro defendendo a participação do governo nos setores estratégicos.


Enquanto isso, a Marina Silva diz que não se pronuncia sobre temas casuísticos e o Geraldo Alckmin critica a falta de diálogo do governo com os caminhoneiros.


Lembro que dias antes de ser deposto pelos militares, João (Jango) Goulart fez menção de se levantar, para pôr fim a uma reunião com sindicalistas, quando um dos pelegos segurou o presidente pelos ombros, empurrou-o de volta para o assento e disse:

“Senta aí. Nós ainda não terminamos.”

Aconselho o presidente Temer a não receber a liderança (se é que há uma) dos caminhoneiros.

Ele vai acabar dando uma de Nicolás Maduro.

Caro amigo leitor, você sabe quanto custa um litro de petróleo na Venezuela?

Um centavo (sim, um centavo, isso não é erro de digitação) de dólar.

É a única coisa que não falta por lá.

Pena que não seja comestível e não sirva para escovar os dentes e limpar a bunda.  

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Um abraço,

Ivan Sant'Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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