Mercadores da Noite #297: Petróleo: acordo de cotas

8 de outubro de 2022
O cartel agora decidiu cortar a produção em dois milhões de barris diários.

Olá, leitor(a),

 

Até o último trimestre de 1973, as cotas de produção de petróleo, assim como os preços, eram fixadas pelas Sete Irmãs, empresas ocidentais que dominavam o mercado internacional de hidrocarbonetos, inclusive e principalmente nos países produtores do Oriente Médio.
 

Eram elas a Anglo-Iranian Oil Company, Royal Dutch Shell, Standard Oil of California, Gulf Oil, Texaco, Standard Oil of New Jersey (Esso) e Standard Oil of New York.
 

Já existia a OPEP (OPEC, nas iniciais em inglês), Organização dos Países Exportadores de Petróleo, com sede em Viena. Mas tinha pouco poder decisório. As Sete Irmãs rachavam o lucro com os países produtores. Só que trapaceavam nas contas.
 

Eis como descrevo o sistema na página 163 de meu livro Os Mercadores da Noite, edição da Inv:
 

Desde 1950, os lucros líquidos vinham sendo divididos, meio a meio, entre o reino e as concessionárias. Poderia ser um bom negócio para os árabes, mas não era. Na apuração das despesas de exploração, as empresas prejudicavam os sauditas.
 

Pois bem, na manhã de sábado, 6 de outubro de 1973, tropas e aviões egípcios e sírios atacaram o território de Israel.
 

Era dia do Yom Kippur, o mais sagrado dos feriados religiosos judeus. A maioria dos soldados e aviadores se encontrava desmobilizada, em reuniões de família e visitas a sinagogas.
 

Israel quase perdeu essa guerra, o que significaria o fim do Estado Judaico. Isso só não aconteceu por causa do auxílio americano, fornecendo armas e munições através de voos que deveriam ter sido feitos na clandestinidade, mas que acabaram sendo descobertos pelos árabes.
 

Mas os israelenses também não venceram o conflito, devido a uma ameaça de intervenção soviética. Após 19 dias de combate, foi assinado um cessar-fogo entre as partes. Em represália à intervenção americana, o rei Faisal, da Arábia Saudita, com apoio da OPEP, decretou um embargo contra os Estados Unidos e outros países do Ocidente.
 

Criou-se também o primeiro acordo de cotas da OPEP, através do qual o fornecimento de óleo cru era reduzido em 10% a cada mês. A medida resultou no Primeiro Choque do Petróleo, que provocou inflação e recessão mundial.

Diversos países tomaram providências para diminuir o consumo de combustíveis fosseis.
 

Os Estados Unidos, por exemplo, passaram a fabricar carros menos “bebedores”, diminuíram o limite de velocidade nas estradas para 55 milhas (88,5 kms) por hora e fixaram cotas diárias de fornecimento de combustíveis para os postos de abastecimento.
 

No Brasil, houve racionamento: os postos não abriam à noite nem nos fins de semana. Criou-se o Proálcool.

O consumo de petróleo diminuiu em todo o mundo. Com isso, os preços começaram a cair.
 

Como acordos de cotas são feitos para serem desrespeitados, em 1990 o Iraque, os Emirados Árabes Unidos e o Kuwait vendiam petróleo por baixo do pano no mercado spot de Amsterdam.
 

Nessa ocasião, o governo americano estava preocupado com o crescente poderio militar iraquiano.
 

Saddam Hussein tinha planos de invadir o Kuwait (alegando, cinicamente, desrespeito ao acordo de cotas da OPEP), e essa invasão era de interesse dos Estados Unidos, porque lhe serviria de pretexto para enfraquecer o Iraque. Mas deixem-me narrar tal como o faço na página 184 de meu livro O Terceiro Templo (Editora Objetiva, 2015):
 

“…April Glaspie, embaixadora dos Estados Unidos em Bagdá, ao perceber a iminência da guerra, após consultar o secretário de Estado, James Baker, insinuou aos seus interlocutores iraquianos que os Estados Unidos não se meteriam em um conflito árabe-árabe.”
 

Claro que era blefe. Tão logo houve a invasão, Washington formou uma coalizão de dezenas de países (inclusive alguns árabes) para desalojar as tropas de Saddam da cidade-estado do Kuwait.
 

Durante a guerra do Golfo, como ficou sendo conhecida, o preço do petróleo subiu de 18 para 40 dólares, para desabar logo em seguida à vitória esmagadora dos americanos e seus aliados, na operação batizada de Tempestade no Deserto (Desert Storm).
 

O tempo passou.
 

Anos mais tarde, durante o bull market do petróleo causado pelo forte crescimento da China, segundo maior consumidor mundial, a OPEP se renovou, inclusive incluindo um + após a sigla: OPEP +. + esse que representa a Rússia, terceiro maior produtor mundial.
 

Surgiu então um novo acordo de cotas, que está funcionando como um relógio. Daí concluir que não haverá trapaças desta vez, já que elas prejudicam todos os integrantes do cartel, inclusive os trapaceiros.
 

É de grande valia a amizade pessoal entre Vladimir Putin e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, que é quem manda no reino da península.
 

O cartel agora decidiu cortar a produção em dois milhões de barris diários. Se o consumo diminuir, e o preço cair, eles reduzem mais o output. Farão o contrário se o consumo aumentar.
 

É essa a situação atual do mercado.
 

Ao contrário do que aconteceu nos anos 1970, durante o Primeiro Choque, o Brasil não será prejudicado. Muito menos a Petrobras, a não ser que Brasília adote medidas demagógicas forçando, para baixo, os preços dos derivados, para agradar o populacho.
 

Só que daqui a 22 dias, em 30 de outubro, haverá o segundo turno das eleições presidenciais. Após o pleito o governo eleito, ou reeleito, ficará muito satisfeito com os dividendos que a Petrobras poderá lhe proporcionar.
 

Um ótimo fim de semana para todos.
 

Ivan Sant’Anna
 

Nota do Editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., Ivan Sant'Anna também escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO, que você pode conhecer clicando aqui!

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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