Mercadores da Noite #292: A gente é que erra; o mercado, nunca

3 de setembro de 2022
Na teoria, dá para explicar todo o funcionamento dos mercados financeiros (e como obter lucros com eles) em algumas poucas horas de aula. Na teoria, bem entendido.

Olá, leitor(a),

 

Na teoria, dá para explicar todo o funcionamento dos mercados financeiros (e como obter lucros com eles) em algumas poucas horas de aula. Na teoria, bem entendido.

Só que, na prática, os ativos nem sempre se comportam com coerência. Ou a coerência fica escamoteada e só é percebida mais tarde, quando as melhores oportunidades já se foram.

Melhor explicitando, ações e títulos de renda fixa são todos mercados futuros.

Agora, por exemplo, estamos em setembro de 2022 e as cotações, inclusive as à vista, refletem o que a maioria dos players acha que vai acontecer em meados do ano que vem.

Não fosse assim, no instante (e só no instante) em que os títulos do Tesouro passaram a render mais do que a inflação, como está acontecendo neste momento no Brasil, a maior parte do dinheiro correria para ele.

Só que isso já aconteceu há vários meses, desde que o BC começou a adotar uma postura extremamente hawkish.

Na verdade, essa transferência, por parte dos aplicadores, de renda variável para renda fixa começou a acontecer muito antes do spread se tornar positivo. E o grosso do dinheiro começará a voltar para a Bolsa tão logo os mercadores percebam que a taxa Selic retome um ciclo de baixa, tal como aconteceu no início do quarto trimestre de 2016, por ocasião do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Durante quase quatro anos, mais precisamente entre outubro de 2016 e agosto de 2020 (auge da Covid-19 no Brasil), a taxa Selic caiu de 14,15% para 2%.

Nessa oportunidade, o mercado de ações só não acompanhou a queda dos juros ao longo de todo o tempo justamente por causa da recessão causada pela pandemia.

*  *  *

 

Certa ocasião, mais precisamente no início do segundo semestre de 1971, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, que era a mais importante do país, interrompeu um tremendo bull market iniciado havia quatro anos e começou a cair, queda essa que durou quase uma década.

Dois anos depois do pico da alta, estourou a guerra do Yom Kippur, que deu início ao primeiro choque do petróleo e à inflação mundial. Na época, achei que a Bolsa tinha pacto com o demo.

Hoje em dia, estudando como o mercado se comportou nos anos 1970, propiciando ganhos espetaculares com as ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), que rendiam correção monetária mais 6%, podendo as instituições financeiras alavancar 30 vezes o capital + reservas, dá para se perceber que o diabo nada teve ver com aquela virada.

Foi a certeza de se enricar sem o menor esforço que fez o dinheiro correr para as obrigações.

Deixando o passado para trás (com minhas desculpas pela redundância), vamos ao quadro atual:

O Brasil já sabe que o próximo presidente será Lula ou Bolsonaro. E conhece bem os dois.

Lula é bem aceito na comunidade internacional e tão comunista quanto o Geraldo Alckmin e o Michel Temer, só para ficar em dois exemplos. Bolsonaro é a favor de privatizações. Nenhum dos dois é contra o mercado financeiro. Um ou outro (o que vencer, é claro) vai comer na mão do Centrão.

Pois bem, quem detectar na frente quando será a virada, vai se dar bem na B3.

Alguns dados alvissareiros, e não esperados, começam a surgir. Já estamos em regime de deflação há dois meses e, embora se saiba que não vai durar por muito tempo (e nem é bom que dure), logo entraremos na longa jornada em direção à meta fixada pelo CMN, que tem tudo para ser atingida em 2024.

Outra surpresa foi o PIB, que cresceu 1,2% no segundo trimestre, acima do esperado pelos analistas.

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Nos Estados Unidos e na Europa, os bancos centrais se descuidaram da inflação, preferindo combater a recessão provocada pela pandemia, distribuindo dinheiro a torto e a direito para a população.

Obviamente, não contavam com a guerra na Ucrânia. que desequilibrou a oferta, e por conseguinte os preços, de diversos insumos, entre eles produtos agrícolas, petróleo e gás natural.

Talvez a B3 já tivesse iniciado um processo de alta, ou pelo menos interrompido o de baixa, não fossem os problemas que estão surgindo na China, nosso maior parceiro comercial. Entre eles, lockdowns preventivos em grandes cidades e crise na construção civil e no mercado imobiliário.

É para lá que devemos fixar nossos olhares de modo a detectar, no ato, o primeiro escorregão do urso.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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