Mercadores da Noite #266: Ameaça nuclear

5 de março de 2022
À medida em que novos países fabriquem armas nucleares, é possível que algum ditador louco um dia tente fazer uso delas.

Caros(as) leitores(as)

Minha primeira lembrança de vida data de agosto de 1945, quando tinha cinco anos e dois meses de idade. Estávamos na sala de jantar de nossa casa em Botafogo, Rio. Meu pai chegou do trabalho, dizendo que os Estados Unidos haviam lançado uma bomba atômica no Japão.

Devo ter ficado muito impressionado. Caso contrário, não me lembraria da cena até hoje, inclusive o lugar no qual eu estava sentado à mesa.

Naquele momento, os americanos se tornaram senhores do mundo. Mas não por muito tempo. Quatro anos mais tarde, em agosto de 1949, a União Soviética explodiu seu primeiro artefato, equilibrando o jogo de guerra.

Entre 1950 e 1953, os Estados Unidos entraram em guerra contra a Coreia do Norte, que invadira a do Sul, chegando a ocupar a capital, Seul.

Nessa ocasião, o general americano Douglas MacArthur, comandante supremo das forças americanas de ocupação do Japão, e que se tornara mais popular do que o presidente Harry Truman, quis lançar uma bomba atômica na China, país que supria a Coreia do Norte com caças soviéticos Mig pilotados por chineses, além de farta munição e armamentos.

Numa das poucas ocasiões em que os Estados Unidos correram risco de uma ditadura militar (MacArthur enfrentava Truman abertamente), o presidente demitiu o general sumariamente e o pôs na reserva.

A guerra da Coreia terminou empatada e empatada está até hoje, com os dois lados separados por uma estreita faixa desmilitarizada (terra de ninguém) no paralelo 38.

Aos poucos, americanos e soviéticos foram acumulando bombas atômicas e de hidrogênio (bomba H) e tornou-se impossível um conflito direto. Os dois lados se destruiriam mutuamente.

Em outubro de 1962, um avião de espionagem U2 dos Estados Unidos descobriu que a União Soviética estava construindo bases de lançamentos de mísseis na ilha de Cuba, a pouco mais de 700 quilômetros de distância do território continental norte-americano.

Nessa oportunidade, o presidente John Kennedy iniciou um bloqueio aos navios de guerra russos que transportavam os foguetes teleguiados para Cuba.

Foi uma das ocasiões em que o mundo mais esteve próximo de um conflito nuclear, tendo Washington decretado estado de alerta DEFCON 3, o que significava que as forças armadas poderiam iniciar um ataque em 15 minutos.

Baseado em cálculos do Pentágono, Kennedy estimava que os Estados Unidos poderiam destruir cem por cento da União Soviética. Em contrapartida, teriam 70% de seu território arrasado.

Negociações ultrassecretas entre as duas potências acordaram que os russos retirariam as bases de lançamento e os mísseis de Cuba. Por sua vez, os americanos desativariam suas instalações nucleares na Turquia.

Embora diversos países tivessem aderido ao grupo atômico (Grã-Bretanha, França, Índia, Paquistão, China e Israel) as armas passaram a ser apenas de dissuasão.

Durante a guerra do Vietnã, os Estados Unidos nem cogitaram usar seus artefatos nucleares, mesmo sofrendo uma derrota humilhante para os exércitos de Ho Chi Minh e do general Giap, apoiados pelos guerrilheiros rurais e urbanos vietcongues.

O mesmo aconteceu quando os soviéticos invadiram o Afeganistão, na noite de Natal de 1979, e lá permaneceram durante uma década, também sendo postos para correr pelos mujahedins (guerreiros sagrados) apoiados financeiramente e armados pelos Estados Unidos.

Entre esses guerrilheiros islâmicos, estava ninguém menos do que Osama bin Laden, além de Khaled Sheik Mohammed. Mais tarde, os dois iriam promover os ataques de 11 de setembro de 2001.

Na sua luta desgastante nos desfiladeiros e montanhas afegãs, em momento algum Moscou pensou em lançar artefatos nucleares.

Acredito que o momento em que bombas atômicas estiveram mais perto de serem usadas foi durante a guerra do Yom Kippur, entre Israel e seus vizinhos árabes, Egito e Síria.

Num dia em que o governo de Israel achou que o conflito estava perdido, o ministro da Defesa, Moshe Dayan, chegou a propor o uso de mísseis com ogivas nucleares.

“Esqueça isso”, respondeu prontamente a primeira-ministra Golda Meir.

Esse episódio está narrado nas páginas 131 e 132 de meu livro O Terceiro Templo (Editora Objetiva, 2015).

Passando ao conflito atual entre Rússia e Ucrânia, por mais que Vladimir Putin faça bravatas nucleares, ele jamais irá usar seus artefatos.

Simplesmente porque seu país, assim como boa parte da Humanidade, poderia voltar para a idade da pedra lascada. Ele não está usando nem todo o poderio militar convencional russo.

À medida em que novos países fabriquem armas nucleares, é possível que algum ditador louco um dia tente fazer uso delas.

Essa ameaça ficará sempre como uma espada pendente sobre nossas cabeças.

Um forte abraço e um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna


Nota do Editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em Podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., o Ivan Sant'Anna também escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO, que você pode conhecer clicando aqui!

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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