Mercadores da Noite #261: Um planeta chamado inflação

29 de janeiro de 2022
Acredito que neste último ano de seu mandato, Jair Bolsonaro imitará o que fez Dilma Rousseff.

Caro(a) leitor(a),
 

Em 2021, a inflação brasileira foi de 10,06% (de acordo com o IPCA do IBGE).

Esse número de dois dígitos é quase o dobro do teto da meta fixada, para o COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central), pelo Conselho Monetário Nacional:  5,25%, O centro da meta era 3,75%, com uma tolerância, para baixo, de 2,25% e, para cima, de 5,25%.

A grande diferença para as outras vezes em que o Brasil errou o alvo (e não foram poucas) é que agora a alta de preços é mundial.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a inflação de 2021, avaliada pelo CPI (sigla em inglês para Índice de Preços ao Consumidor) foi de 7%, a maior desde os 12 meses anteriores a junho de 1982. Portanto, há 40 anos.

Antes disso, os EUA viveram a escalada de preços decorrente da guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), que detonou o primeiro choque do petróleo, iniciado pelo embargo do produto pelos países da OPEP liderados pela Arábia Saudita.

Em 1980, antes do choque extremamente hawkish perpetrado pelo chairman do FED, Paul Volcker, a inflação americana chegou a 13,55%.

Muito antes, mas muito antes mesmo, ao final da Guerra Civil (ou da Secessão, como queiram) o dólar confederado (do Sul) viveu uma hiperinflação.

Cruzemos o Atlântico Norte e vamos para a Alemanha. A inflação do ano passado foi de escandalosos 5,3%. Para eles, isso traz trágicas lembranças.

Foi a hiperinflação encerrada em 1923, quando um único dólar chegou a valer 4 trilhões e 200 bilhões de marcos (4.200.000.000.000), que deu o empuxo inicial ao nazismo, partido que acabaria tomando o poder dez anos mais tarde, agora durante a Grande Depressão.

Ao longo da Segunda Guerra Mundial, o presidente do Reichsbank, Walther Funk, perfez uma façanha. Manteve a inflação próxima de zero, com uma estratégia tão simples quanto amarga.

À medida em que os bens iam sumindo das prateleiras do comércio (no ocaso do Reich faltava tudo, desde açúcar, manteiga, café, farinha etc., etc.), ele ia enxugando o meio circulante. Até que chegou no zero a zero. Sem dinheiro. Sem mercadorias.

Terminado o conflito, as autoridades aliadas adotaram a seguinte medida: decretaram que o marco não valia mais nada, substituíram o reichsmark pelo deutsche mark e deram 50 DM para cada cidadão.

Até ser destronada recentemente pelo Zimbábue, a Hungria detinha a desonrosa faixa de campeã mundial de hiperinflação em todos os tempos. Isso aconteceu em 1946, logo após o final da Segunda Guerra.

Para estancar a alta da moeda local, o pengo, as autoridades monetárias criaram o ado pengo, que era um pengo com correção monetária diária.

E não é que ocorreu uma hiper em ado pengos?

No mês de julho de 1946, a inflação mensal húngara (em ado pengos, repito) chegou 41,9 quatrilhões por cento (41.900.000.000.000.000%).

O Japão também teve sua hiper, logo após Hiroshima e Nagasaki. Modesta, é verdade. Tanto é que eles não mudaram o nome nem cortaram zeros da moeda.

Por isso é que um dólar hoje vale 115 ienes ou, fazendo a conta ao contrário, um iene vale US$ 0,008697. Os japoneses vivem uma situação completamente diferente do resto do mundo.

A meta do país é ter uma inflação anual de 2%, mas eles não conseguem atingi-la. Fica abaixo disso, acreditem. Mesmo com o Banco Central japonês “remunerando” bonds do Tesouro negativamente.

Quem adquire um título de cinco anos, paga 0,03% para tê-lo. Japonês poupa, mas não compra. Está sempre esperando os preços baixarem.

Voltemos ao Brasil.

Acredito que neste último ano de seu mandato, Jair Bolsonaro imitará o que fez Dilma Rousseff. Irá baixar, na marra, tarifas e outros preços controlados ou administrados pelo governo. O problema será em 2023.

Penso que ano que vem a inflação mundial terá regredido e a nossa se agravado.

Isso obrigará a quem estiver no Planalto (e pode ser que seja o próprio Jair Bolsonaro) a adotar medidas severas para garantir um mandato de quatro anos sem que o Brasil tenha de percorrer, de volta, a trilha que começou em 1958 e se encerrou em 1994, com o lançamento do Plano Real.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant'Anna 

Nota do Editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em Podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., Ivan Sant'Anna escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO, que você pode conhecer clicando aqui!

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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