Mercadores da Noite #254: Retalhos literários – 3ª parte

11 de dezembro de 2021
Hoje encerro a transcrição de trechos selecionados de meu livro Jogo Brasil, do capítulo 27 ao Epílogo.

Caro(a) leitor(a),

Hoje encerro a transcrição de trechos selecionados de meu livro Jogo Brasil, do capítulo 27 ao Epílogo.

Como já disse em minhas duas newsletters Os Mercadores da Noite anteriores, suponho que este trabalho jamais será publicado na íntegra, por ser politicamente incorreto.

Vamos às passagens selecionadas:

“Embora o banco EME – onde Simone Ferreira era agora a segunda pessoa em importância, abaixo apenas do dono, Celso Millani – e a Profis – empresa administradora de fortunas, na qual Sérgio Vilhena era um dos traders da mesa de operações – disputassem ganhos nos mesmos mercados, Vilhena e Simone não entravam em nenhum confronto direto. Enquanto ele se dedicava a garimpar o minuto a minutos das bolsas, ela, estrela de primeira grandeza, tratava de grandes negócios corporativos: fusões, aquisições, incorporações e, por que não dizer, negociatas. Estas eram quase todas fechadas em Brasília, cidade onde a executiva ia praticamente todas as semanas.

No mesmo instante em que Sérgio entrava, por exemplo, numa posição comprada no mercado futuro de dólares na bolsa de São Paulo, Simone recebia numa suíte de um hotel de luxo da capital federal Jorge Salamanca, presidente do Funcoop, fundo de pensão dos funcionários da estatal Minerbrás, para tratar da compra, por parte do Funcoop, da Mairink, uma indústria de processamento de bauxita situada no Pará, empresa essa em estado falimentar. Sérgio Vilhena corria riscos. Simone, nenhum.”

“Dólar, outubro, toma dez mil a 2,3091 com stop a 2,3085”, com essas palavras, digitadas no teclado de seu laptop, Vilhena estava dando ordens para a compra de dez mil contratos de dólar futuro na bolsa, uma posição total de 50 milhões de dólares, com vencimento para outubro do ano seguinte, 2011.

Caso o mercado caísse para 2,3085, ele faria um stop, ou seja, limitaria seu prejuízo. Ao entrar numa posição, todos os operadores experientes admitiam a hipótese de que pudessem estar errado. Daí os stops. Se fosse ‘stopado’, a Profis realizaria uma perda de 70 mil reais. Para cima, o céu era o limite.

“Então estamos acertados, meu caro doutor Salamanca”, Simone Ferreira concluía suas tratativas em Brasília. “Seu fundo adquire o controle acionário da Mairink por cento e cinquenta milhões de reais e o senhor recebe um rebate de vinte e cinco por cento, convertidos em dólares, na conta de sua offshore em Jersey.”

“Mas não combinamos trinta por cento?”, Salamanca fez uma careta de contrariedade. Ele tinha uma conta nas Ilhas Jersey, paraíso fiscal situado no Canal da Mancha, onde depositava essas propinas, ou rebates, como Simone Ferreira preferia chamá-las.

“Com certeza”, Simone abriu um sorriso. “Só que o ministro Pelúcio foi informado do negócio e fez questão desses cinco por cento. ‘Caixa eleitoral’, disse ele. O senhor sabe como são essas coisas. Mas o próprio ministro está subindo aqui para confirmar. Eu não quero que o senhor fique pensando que o banco EME descumpre sua palavra.”

Para enorme surpresa de Jorge Salamanca, minutos depois o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Devoto Pelúcio, homem de confiança do presidente Augusto Pires, bateu na porta da suíte. Não precisou dizer muita coisa.

“Presumo que está tudo combinado entre vocês dois. Sua parte e a de nosso caixa de campanha”, ele disse para Salamanca, após beijar Simone nas duas faces.

“Sim… sim…”, Jorge Salamanca encabulou-se todo. Jamais tivera contatos com o crème de la crème do primeiro escalão do governo. Ainda mais Pelúcio.

“Se nos dá licença agora”, Devoto Pelúcio indicou discretamente a porta da suíte para Salamanca. “Tenho outros assuntos a tratar com Simone e preciso voltar ao palácio o quanto antes.”

Portanto Simone Ferreira operava sem riscos. Em seus negócios não havia stops.

* * *

No final de 1998, Vilhena voltou para o EME e Telesca para o Banco Central. Foi transferido para Brasília, onde assumiu o Departamento Econômico da Dipec, Diretoria de Política Econômica. Não demorou muito para ser nomeado diretor do banco. Mais tarde, presidente, quando Augusto Pires venceu as eleições.

Durante a gestão de Telesca na presidência do Banco Central, ele consultava seu amigo Sérgio Vilhena a respeito de decisões nas áreas monetária e cambial. Nessas conversas, não raro Vilhena ficava sabendo de medidas que o BC iria adotar. Mas nunca usufruiu dessas informações privilegiadas, muito menos as compartilhou com seus colegas de mesa ou com Celso Millani. Talvez por isso preferisse operar nos mercados internacionais.

Sérgio Vilhena era uma espécie em extinção. Gostava de jogo, mas não de jogo roubado. Simplesmente não tinha graça.

* * *

O presidente da República atacou de uma vez só.

“O que é que vocês pretendem fazer com os juros na reunião de depois de amanhã?”

Rodrigo Telesca tomou um susto. Aspirou uma profunda lufada de ar antes de responder:

“Presidente, isso não depende de mim. O Copom é um colegiado. Vence a maioria.”

“Tudo bem, um colegiado.” Pires fez uma careta de deboche. “Mas não vai me dizer que você não tem influência sobre os colegas. Afinal de contas, eles não deixam de ser seus subordinados. São também mais jovens e bem menos experientes do que você.”

“Claro que minha opinião é relevante. Mas nem sempre é seguida pelos outros.”

“Pois desta vez vai ser. Vocês vão baixar as taxas de juros em meio por cento, por determi… por sugestão sua.”

“Baixar, presidente? Meio por cento? Nós pretendíamos mantê-la inalterada, e mesmo assim para adotar uma atitude de neutralidade em época de eleição. Porque o certo seria subir 25 ou 50 pontos, em função do quadro macroeconômico. Eu nem devia estar falando isso aqui.” O desconforto de Rodrigo Telesca era total. Mesmo assim ele fincou pé. “Não há hipótese dos juros caírem.”

“Doutor Telesca”, o presidente da República jamais se dirigira a ele de modo tão formal”, o senhor sabe que, no Brasil, o cargo de presidente do Banco Central tem o status de ministro. Portanto o senhor deve obediência a mim. Os juros vão cair em meio por cento. Isso é uma determinação. Eu não queria que as coisas chegassem a esse ponto, mas preciso ganhar essas eleições no primeiro turno.”

Augusto Pires levantou-se, como que dando o encontro por encerrado, mas Rodrigo Telesca permaneceu sentado, numa visível atitude de contestação. “Sim”, confirmou. “Eu sou apenas um ministro de Estado. Só que ministros têm a prerrogativa de pedir demissão. O senhor receberá minha carta amanhã cedo.”

Pires sabia que a saída do presidente do BC naquele momento detonaria uma crise e que a crise arruinaria seu desempenho no primeiro turno. Mas havia se preparado para aquela reação de Telesca. Tirou um papel do bolso da calça, desdobrou-o e começou a ler.

“No dia 11 de setembro de 1997, uma quinta-feira, após um jogo noturno do Fluminense, no Maracanã, o senhor atropelou e matou um travesti na Quinta da Boa Vista, nas proximidades do estádio. Isso depois de ter praticado sexo com um colega de profissão do morto. Mas não se preocupe com essa informação. É sigilosa e está guardada a sete chaves nos cofres do Gabinete de Segurança Institucional. E não vai vazar para a imprensa nem pra ninguém. A não ser, é claro, que o senhor continue com essa intenção tresloucada de pedir demissão e de não obedecer ao seu presidente, que lhe ordena que baixe os juros.”

Um forte abraço e um ótimo fim de semana.

Ivan Sant’Anna

 

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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