Mercadores da Noite #253: Retalhos literários – 2ª parte

4 de dezembro de 2021
Hoje dou prosseguimento à reprodução de trechos de meu livro Jogo Brasil, que jamais será publicado por ser politicamente incorreto.

Caros(as) leitores(as),

Hoje dou prosseguimento à reprodução de trechos de meu livro Jogo Brasil, que jamais será publicado por ser politicamente incorreto e, por isso, impróprio para os dias atuais.

As partes que selecionei para esta crônica são todas tiradas a partir do capítulo 9 e até o 26 do livro. Falam do mercado financeiro e, tenho certeza, não ferirá os sentimentos de ninguém, mesmo porque se trata de uma ficção.

Outras passagens, mais apimentadas, ficarão para meus herdeiros publicarem, quando o Brasil viver tempos mais tolerantes em termos de livre expressão.

Eis os textos selecionados para esta 2ª parte:

No domingo, 29 de outubro de 2006, o Brasil foi às urnas do segundo turno, sob grande expectativa. Entre os mais ansiosos, o economista Rodrigo Telesca, funcionário de carreira do Banco Central, o homem que, nove anos antes, atropelara e matara um travesti na Quinta da Boa Vista.

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Augusto Pires venceu Sereno Pessoa por uma diferença de quatro milhões de votos. Na segunda-feira 30 de outubro de 2006, dia seguinte ao do segundo turno das eleições, a bolsa de valores subiu quase 10%. Na contramão, o dólar caiu violentamente.

Dizer que o mercado financeiro gostou da vitória de Pires é pouco. O mercado simplesmente exultou. Os riscos Sereno e Sebastiana, que haviam prometido criar novos impostos para o que chamavam de ‘jogatina das bolsas’, estavam adiados por, no mínimo, mais quatro anos.

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Em 2007, os resultados das carteiras administradas por Simone Ferreira superaram os de diversos operadores veteranos do EME. Graças às dicas que Sérgio Vilhena lhe passava a todo momento, Simone acertava metade de suas decisões de mercado. Só que, quando ganhava, ganhava muito. Quando perdia, perdia pouco. Vilhena lhe ensinara uma regra básica da profissão:

“Seja corajosa no lucro”, ele insistia com ela, “e covarde no prejuízo. Boa parte dos traders faz justamente o contrário. Essa é a grande diferença entre os meninos e os homens…” Sérgio deu uma paradinha, encabulado. “ou melhor, entre as meninas e as mulheres”, corrigiu.

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Numa velocidade de cruzeiro de 850 km/h, o Gulfstream IV de Celso Millani levou sete horas e meia do Galeão, no Rio, até o Aeroporto Internacional Juan Santamaria, em San Jose, na Costa Rica. Por causa da diferença de fuso horário, eram ainda cinco da manhã na capital costa-riquenha quando o jatinho aterrissou.

Durante todo o voo, Simone prestara atenção, nos mínimos detalhes, às atitudes de cada um, para não cometer gafes. Imitou o trato com a aeromoça, imitou o modo de servir-se de salada de rúcula com presunto de Parma e, pouco depois, do risoto de zucchini. Desimitou, também por estratégia, na escolha das bebidas.


“O que a senhora vai beber?”, perguntou a comissária. Os outros haviam se servido de uísque e vinho.

“Apenas uma mineral com gás.”

“Pode ser uma Pellegrino?”

“Sim, querida. Uma San Pellegrino”, Simone Ferreira acrescentou o ‘San’ com naturalidade. Não eram só livros de matemática que ela lia.

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Durante toda a crise das bolsas mundiais, iniciada com a quebra do Lehman Brothers, o Banco Central do Brasil, sob as rédeas firmes de Rodrigo Telesca, agira com grande eficiência. Apenas uma pequena parte das reservas acumuladas ao longo de 22 meses do governo Augusto Pires foi usada para conter um avanço do dólar, que logo retrocedeu. Numa reunião de emergência, o COPOM (Comitê de Política Monetária) elevou em um ponto as taxas de juro.

Cada vez mais, o mercado, a imprensa, os políticos e a opinião pública respeitavam Telesca. O presidente do BC tornara-se praticamente uma unanimidade nacional, com reflexos muito positivos no exterior.

 

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Em 2008 e 2009, o desempenho de Simone Ferreira na mesa de operações do banco EME continuou melhorando. Ela agora pouco seguia as orientações de Sérgio Vilhena. Operava muito em bases técnicas, usando fórmulas matemáticas, nas quais era craque, e obedecendo as indicações dos gráficos.

Várias vezes por dia, Simone trocava opiniões com Celso Millani. Este cada vez a respeitava mais. Só em participação nos lucros das carteiras, ela recebia mais em um mês do que, mesmo em seus maiores delírios que, diga-se de passagem, nunca haviam sido acanhados –, sonhara ganhar por ano.

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Quando voltaram a ficar a sós, Celso Millani retomou o assunto.

“‘Você conhece o Salustiano Almeida?”

“O senador? Conheço de nome, é claro, mas não pessoalmente”, Simone respondeu de pronto.

“Então deve saber que ele é um dos políticos mais influentes do Brasil”, Millani baixou um pouco o tom de voz. “Líder do governo no Senado, representante do Mato Grosso, Salustiano é articulado, culto, inteligente, competente, envolvente e, para sair dos ‘entes’, ladrão. Muito ladrão. De fazer inveja aos colegas. Pois bem, através de um intermediário, o senador Salustiano Almeida nos ofereceu uma carteira de crédito consignado de um bilhão de reais, dinheiro a ser emprestado a funcionários de cinco estatais. Ele tem todos os contatos para conseguir a operação.”

* * *

Desde o início de 2010, o mercado passou a olhar exclusivamente para as perspectivas de mais uma eleição presidencial, cujo primeiro turno aconteceria no dia 3 de outubro. Novamente Augusto Pires, agora tentando a reeleição, iria enfrentar a sem-terra Sebastiana de Souza (que continuava não tendo terras, mas possuía um ótimo apartamento de cobertura no Passo d’Areia, em Porto Alegre) e Sereno Pessoa, com seu mesmo blá-blá-blá nacionalista e estatizante.

Apesar de uma política monetária feroz, que mantinha a economia estagnada e o desemprego alto, o presidente do Banco Central, Rodrigo Telesca, agora com 52 anos, não conseguia conter a inflação nem a queda do real frente ao dólar. O motivo era simples: Como havia o risco de Pires perder as eleições (justamente por causa da recessão) para um candidato de extrema esquerda, o fluxo de entrada de dólares no Brasil diminuíra bastante e o comércio e a indústria remarcavam preventivamente seus preços.

* * *

Nos dias que antecedem as reuniões do Comitê de Política Monetária, é de praxe que o presidente do Banco Central não se encontre com o presidente da República, a não ser em solenidades abertas. O propósito desse procedimento é justamente o de preservar a autonomia do Copom, sem que o colegiado sofra pressões do chefe do Executivo.

Por isso, Rodrigo Telesca se surpreendeu ao receber um telefonema de Silésio Trancoso, secretário particular de Augusto Pires, convocando-o para um encontro com o presidente em 29 de agosto, que caía num domingo, a apenas dois dias da última reunião do Copom antes das eleições. O encontro seria um jantar na granja do Torto, onde Pires costumava passar seus fins de semana. Mesmo sentindo-se desconfortável com o chamado, Telesca não teve como não atendê-lo.

Um forte abraço e ótimo final de semana!

Ivan Sant’Anna
 

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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