Mercadores da Noite #248 Minhas encruzilhadas – 3ª parte

30 de outubro de 2021
No quesito renda, minha vida literária estava parecendo com a de profissional de mercado. Sucesso, fracasso, lucro, perda.

Caro(a) leitor(a),

Terminei a segunda parte desta crônica narrando quando e como comecei a escrever meu primeiro livro, Os mercadores da noite.

Entre o final de 1992 e abril de 1995, dividi meu tempo entre as funções de broker e de trader no mercado internacional e a de escritor iniciante.

Todas as noites e ao longo dos fins de semana dava exclusividade ao livro. Logo percebi que não daria para escrever a história sem fazer pesquisas nos locais onde a ficção se desenrola.

Sendo assim, no inverno (do Hemisfério Norte) 1993/1994 viajei para Nova York, Chicago e Davenport, sendo esta última a cidade onde nasceu, e passou a infância e a adolescência, o personagem principal da narrativa, Julius Clarence.

Não bastou.

No inverno seguinte (1994/1995), fui a Londres, Paris, Bruxelas e Lausanne. Viajei duas vezes no Eurostar (trem que percorre o Eurotúnel, sob o canal da Mancha), a primeira dessas viagens entre Londres e Bruxelas; a segunda entre Paris e Londres.

Para quem não leu o livro, informo que o Eurostar é decisivo no desfecho da história.

Ao regressar da Europa, cheguei à conclusão de que teria de optar entre trabalhar no mercado ou ser escritor.

Assim, no final de abril de 1995, troquei 37 anos de operador para me dedicar as letras. Trabalhando em tempo integral, concluí o livro no dia 25 de junho de 1995.

Concluída e revisada a obra, tratei de procurar uma editora.

Gastei uma fortuna em cartuchos de tinta, encadernação e Sedex e enviei os originais para praticamente todos os editores.

Não recebi sequer uma resposta. Nem mesmo “Li seu livro e não gostei”; “Seu projeto não consta de nossos planos editoriais”; ”Avaliaremos ‘Os mercadores da noite’ quando for possível.’”

Nada. Ninguém se interessou.

Foi então que resolvi escrever meu segundo livro, Rapina, que, eu tinha certeza, iria causar grande impacto no mercado financeiro.

Como a história é baseada em fatos reais, que eu havia testemunhado ao longo de minha vida de operador, levei apenas três meses para escrevê-lo.

Uma agente literária, Marisa Gandelman, indicada por meu irmão, entregou os originais à Luciana Villas Boas, da editora Record, em 23 de dezembro de 1995. Três dias mais tarde, no dia 26, a Luciana me chamou para almoçar e me fez uma proposta pelos direitos de publicação do livro.

Rapina foi lançado em abril de 1996. Desde a primeira semana, assumiu o primeiro lugar nas listas dos mais vendidos, lista essa na qual permaneceu ao longo de cinco meses.

De repente, todo mundo queria comprar Os mercadores da noite. Só que, dessa vez, quem não quis vender fui eu.

Propus à BM&F publicar uma edição de luxo, capa dura, mil exemplares numerados e autografados por mim, por 50 mil dólares. Ou seja, ganhei US$ 50,00 por unidade.

Nesse meio tempo, um cineasta de São Paulo, Mauricio Oliveira, se interessou pelos direitos de filmagem de Rapina. Pedi a ele 100 mil dólares.

Enquanto não chegavam as respostas, viajei com meu filho para a Chapada Diamantina e o litoral da Bahia. Ao chegar de volta ao Rio, fiquei sabendo que as duas propostas tinham sido aceitas.

Eu me tornara um escritor remunerado, bem remunerado.

Como não sou de dormir sobre os louros, parti para o terceiro livro: Armadilha para Mkamba, pela editora Rocco, lançado em 1998.

De todos que publiquei até agora, foi o mais elogiado pela crítica.

Certo dia, Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco, me telefonou e disse:

Ivan, você descobriu seu nicho.”

Caramba, se há uma coisa da qual não gosto é de ter nicho. Mesmo durante meus anos de mercado procurei variar de ativo, de Bolsa, de método operacional.

Resolvi então encontrar meu lado feminino. Escrevi Que nem sabão em pó, um água com açúcar ambientado em Morro de São Paulo, Bahia.

Descobri mesmo é que não tenho lado feminino. O livro foi um fracasso de vendas e de crítica. Aliás, mentira. A crítica me poupou, simplesmente ignorando o livro.

No quesito renda, minha vida literária estava parecendo com a de profissional de mercado. Sucesso, fracasso, lucro, perda. Só que essas coisas são festa para mim.

Após pesquisas exaustivas, que chegavam a tomar 16 horas do meu dia, escrevi Caixa-preta, publicado no dia 16 de novembro de 2000.

Foi um tremendo sucesso de crítica e de vendas. Tal como Rapina, já saiu na pole position da lista dos best-sellers, na qual permaneceu durante sete meses.

Decidi então escrever uma ficção ambientada nas estradas brasileiras, tendo como tema roubo de cargas e assassinatos de caminhoneiros.

Disse isso numa entrevista à rádio CBN.

A emissora recebeu oferta de diversos caminhoneiros, que gostariam de me levar de carona em suas viagens. Escolhi José Inácio da Silva, de São Paulo, dono de uma carreta Scania 112 HW e que tinha mais ou menos minha idade.

Após rodar 40 dias com o Inácio, transportando principalmente soja, concluí que precisava conhecer o interior da Bolívia, mais precisamente a cidade de San Matias, um dos maiores entrepostos de cocaína e de caminhões e cargas roubados da América do Sul.

Viajei do Rio para lá em meu Renault Clio. Com deformação profissional típica de um repórter investigativo, cheguei a torcer para ser assaltado. Só para ver como era a sensação. Mas nada aconteceu.

Carga Perigosa não fez grande sucesso. Mas mudou minha vida. Marcos Paulo (1951-2012), diretor de núcleo da TV Globo, me convidou para ser roteirista da série Carga Pesada.

Meus personagens agora se chamavam Pedro e Bino, interpretados por Antônio Fagundes e Stênio Garcia. Mas vou deixar para contar isso no próximo sábado.

Um ótimo fim de semana para todos.               


Ivan Sant’Anna

 

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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