Mercadores da Noite #244 Os ursos são profissionais

2 de outubro de 2021
Acho que esta crônica tem utilidade, já que não só serve de aprendizado como há de se considerar que quem é novato hoje, será veterano amanhã.

Olá, leitor(a),

Convencionou-se dizer que touros são aqueles que apostam na alta dos mercados; ursos, na baixa. Isso é uma tradição que remonta ao século 19, como explico na página 291 (edição da Inversa) de meu livro Os mercadores da noite.

O que nem todo mundo se dá conta − por isso estou escrevendo este texto – que é muito mais difícil ser urso do que touro. Melhor explicitando: embora até os novatos de primeiro dia possam ser touros, é preciso um bom tempo de experiência para atuar como urso, atividade mais própria de profissionais.

Entre meus leitores, tem gente que está no mercado há décadas; outros, apenas começando. Mesmo para este segundo grupo, acho que esta crônica tem utilidade, já que não só serve de aprendizado como há de se considerar que quem é novato hoje, será veterano amanhã.

No momento em que a B3 se encontra num óbvio bear market, e Wall Street (leia-se Dow Jones, S&P e Nasdaq) ensaia o seu, é bom relacionar as maneiras mais eficientes de se trabalhar como urso.

Comecemos pelos índices acionários futuros: Ibovespa, S&P500 e Nasdaq. O melhor momento de “shorteá-los” é esperar uma correção da baixa, ou short covering, que é como se chama o fenômeno nos Estados Unidos.

Eu diria que três pregões de alta, causada pela cobertura de posições vendidas (ou panic buying), propicia um bom momento para o short.

Ah, Ivan, mas se subir só dois”, pode estar indagando um urso afobado e aflito ao ler essa minha sugestão.

Paciência”, respondo. “Você não perde nada, apenas deixa de ganhar.”

Pior é o mercado cair durante vários dias e, só aí, o candidato a urso se convencer que chegou a hora de ficar vendido, justamente no momento em que o bear market estiver protagonizando a tal correção.

Outra maneira de se trabalhar na venda a descoberto é mais adequada aos grafistas. Digamos que o Ibovespa tenha um forte suporte a 110.000.  No momento em que ele rompe esse nível, você “shorteia” a 99.900, por exemplo. Faz um stop “cirúrgico” a 100.100. Se der errado, perde 200 pontos. Para baixo, quem sabe dá para ganhar mil, dois mil, três mil, etc. Sem contar que você pode ir baixando o stop para garantir o lucro.

Comprar puts (opções de venda) é outro modo de se apostar na baixa. Só que elas costumam ser caras e ter pouca liquidez. Sem querer ofender ninguém, considero (e isso é uma visão pessoal) um trade meio medroso, por causa do custo do fator tempo (time value).

Vender calls é a maneira mais profissional de se ganhar na queda. Só que, para fazer esse tipo de operação, tem de ser cabra macho, ou “cabra macha”, já que, para cima, o risco de prejuízo é ilimitado. Para baixo, você só ganha o valor da call que vendeu. Isso quando, no vencimento, ou um pouco antes, ele se transformar em pó.

Nessa operação acima, principalmente nela, é preciso aguardar um bom short covering (os tais três dias, por exemplo), antes de vender as calls.

Os ursos levam uma vantagem sobre os touros. Refiro-me ao fato de que as quedas costumam ser bem mais rápidas do que as altas. No ano passado, quando o Ibovespa tomou um tombaço de 51.600 pontos por causa do surgimento da Covid, o declínio aconteceu em apenas dois meses e um dia. Já a recuperação levou quase um ano.

O melhor short que testemunhei aconteceu entre a sexta-feira 16 de outubro de 1987 e a segunda, dia 19. Nessa oportunidade, o S&P500 caiu de 320,00 para 230,30, nada menos do que 28% em apenas um fim de semana.

Esse trade, que não fiz por pura covardia, quase me fez desistir da profissão. De olho grudado na tela, no fechamento de sexta, achei que o mercado já tinha caído demais. Faltou peito para passar o sábado e o domingo vendido a descoberto.

Acho que o grande short de todos os tempos aconteceu em outubro de 1929.

Entre os ursos que aumentaram suas fortunas naquela oportunidade, estavam Joseph Kennedy, pai do presidente John Kennedy, e Jesse Livermore, por muitos considerado o maior especulador que já existiu. Os dois simplesmente perceberam o óbvio. Que as ações não valiam aqueles preços. Inclusive havia algumas que não valiam absolutamente nada.

No mercado de petróleo, o auge da glória dos ursos ocorreu durante a primeira guerra do Golfo, quando a coligação liderada pelos Estados Unidos iniciou o ataque ao Iraque.

Dois ou três minutos, no máximo. Foi o tempo que o barril de petróleo bateu 40 dólares, antes de despencar para 20.

Por essas e outras razões é que afirmo que ser urso é coisa de profissional.

Voltando aos tempos atuais, tudo indica que a inflação veio para ficar e que, para lancetar o tumor, os bancos centrais trocaram ou vão trocar as penas de pombo pelas garras do gavião.

Isso é bearish para o mercado de ações e para os índices futuros que o refletem, tanto no Brasil quanto lá fora.

Podem apostar que os ursos mais calejados já estão short.

Um forte abraço e um ótimo fim de semana.


Ivan Sant´Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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