Olá, leitor(a),
Convencionou-se dizer que touros são aqueles que apostam na alta dos mercados; ursos, na baixa. Isso é uma tradição que remonta ao século 19, como explico na página 291 (edição da Inversa) de meu livro Os mercadores da noite.
O que nem todo mundo se dá conta − por isso estou escrevendo este texto – que é muito mais difícil ser urso do que touro. Melhor explicitando: embora até os novatos de primeiro dia possam ser touros, é preciso um bom tempo de experiência para atuar como urso, atividade mais própria de profissionais.
Entre meus leitores, tem gente que está no mercado há décadas; outros, apenas começando. Mesmo para este segundo grupo, acho que esta crônica tem utilidade, já que não só serve de aprendizado como há de se considerar que quem é novato hoje, será veterano amanhã.
No momento em que a B3 se encontra num óbvio bear market, e Wall Street (leia-se Dow Jones, S&P e Nasdaq) ensaia o seu, é bom relacionar as maneiras mais eficientes de se trabalhar como urso.
Comecemos pelos índices acionários futuros: Ibovespa, S&P500 e Nasdaq. O melhor momento de “shorteá-los” é esperar uma correção da baixa, ou short covering, que é como se chama o fenômeno nos Estados Unidos.
Eu diria que três pregões de alta, causada pela cobertura de posições vendidas (ou panic buying), propicia um bom momento para o short.
“Ah, Ivan, mas se subir só dois”, pode estar indagando um urso afobado e aflito ao ler essa minha sugestão.
“Paciência”, respondo. “Você não perde nada, apenas deixa de ganhar.”
Pior é o mercado cair durante vários dias e, só aí, o candidato a urso se convencer que chegou a hora de ficar vendido, justamente no momento em que o bear market estiver protagonizando a tal correção.
Outra maneira de se trabalhar na venda a descoberto é mais adequada aos grafistas. Digamos que o Ibovespa tenha um forte suporte a 110.000. No momento em que ele rompe esse nível, você “shorteia” a 99.900, por exemplo. Faz um stop “cirúrgico” a 100.100. Se der errado, perde 200 pontos. Para baixo, quem sabe dá para ganhar mil, dois mil, três mil, etc. Sem contar que você pode ir baixando o stop para garantir o lucro.
Comprar puts (opções de venda) é outro modo de se apostar na baixa. Só que elas costumam ser caras e ter pouca liquidez. Sem querer ofender ninguém, considero (e isso é uma visão pessoal) um trade meio medroso, por causa do custo do fator tempo (time value).
Vender calls é a maneira mais profissional de se ganhar na queda. Só que, para fazer esse tipo de operação, tem de ser cabra macho, ou “cabra macha”, já que, para cima, o risco de prejuízo é ilimitado. Para baixo, você só ganha o valor da call que vendeu. Isso quando, no vencimento, ou um pouco antes, ele se transformar em pó.
Nessa operação acima, principalmente nela, é preciso aguardar um bom short covering (os tais três dias, por exemplo), antes de vender as calls.
Os ursos levam uma vantagem sobre os touros. Refiro-me ao fato de que as quedas costumam ser bem mais rápidas do que as altas. No ano passado, quando o Ibovespa tomou um tombaço de 51.600 pontos por causa do surgimento da Covid, o declínio aconteceu em apenas dois meses e um dia. Já a recuperação levou quase um ano.
O melhor short que testemunhei aconteceu entre a sexta-feira 16 de outubro de 1987 e a segunda, dia 19. Nessa oportunidade, o S&P500 caiu de 320,00 para 230,30, nada menos do que 28% em apenas um fim de semana.
Esse trade, que não fiz por pura covardia, quase me fez desistir da profissão. De olho grudado na tela, no fechamento de sexta, achei que o mercado já tinha caído demais. Faltou peito para passar o sábado e o domingo vendido a descoberto.
Acho que o grande short de todos os tempos aconteceu em outubro de 1929.
Entre os ursos que aumentaram suas fortunas naquela oportunidade, estavam Joseph Kennedy, pai do presidente John Kennedy, e Jesse Livermore, por muitos considerado o maior especulador que já existiu. Os dois simplesmente perceberam o óbvio. Que as ações não valiam aqueles preços. Inclusive havia algumas que não valiam absolutamente nada.
No mercado de petróleo, o auge da glória dos ursos ocorreu durante a primeira guerra do Golfo, quando a coligação liderada pelos Estados Unidos iniciou o ataque ao Iraque.
Dois ou três minutos, no máximo. Foi o tempo que o barril de petróleo bateu 40 dólares, antes de despencar para 20.
Por essas e outras razões é que afirmo que ser urso é coisa de profissional.
Voltando aos tempos atuais, tudo indica que a inflação veio para ficar e que, para lancetar o tumor, os bancos centrais trocaram ou vão trocar as penas de pombo pelas garras do gavião.
Isso é bearish para o mercado de ações e para os índices futuros que o refletem, tanto no Brasil quanto lá fora.
Podem apostar que os ursos mais calejados já estão short.
Um forte abraço e um ótimo fim de semana.
Ivan Sant´Anna