Mercadores da Noite #217 - Os Impeachments e a Bolsa

27 de março de 2021
Como o que interessa à esta coluna são os mercados financeiros, acho importante recordar que um eventual impedimento do presidente da República não necessariamente afeta a Bolsa

Caro(a) leitor(a)

Antes de mais nada, acho bom lembrar que, para que um presidente da República sofra um impeachment, é preciso que sua popularidade seja baixíssima. Por piores malfeitos que faça, nenhum ocupante do Planalto perde o cargo se os níveis de aprovação ao seu governo forem robustos.

“A única coisa que mete medo em político é o povo nas ruas”, já dizia o finado Ulysses Guimarães. Agora, com a Covid, talvez não estejam nas ruas mas nas janelas e varandas batendo panelas. Dá no mesmo.

Esta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deu um duro recado para Jair Bolsonaro: “Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais"

Como o que interessa à esta coluna são os mercados financeiros, acho importante recordar que o impedimento do presidente da República não necessariamente afeta a Bolsa.
    
Simplesmente porque o processo acontece devagarinho. Quando chega o momento decisivo, já está decidido (com minhas desculpas pela aparente incongruência) por antecipação. Voltemos atrás no tempo para ver como os impeachments recentes aconteceram.

O começo do fim do governo de Fernando Collor de Mello aconteceu em maio de 1992, quando seu irmão, empresário Pedro Collor, numa entrevista concedida à revista Veja, o acusou de corrupção, através de um esquema controlado pelo testa de ferro Paulo César Farias.
    
Entre outras coisas, Pedro declarou à revista que Fernando ficava com 70% do lucro obtido com negócios ilícitos enquanto Farias embolsava os restantes 30%.

Talvez Collor se livrasse do impeachment se fizesse algum tipo de acordo com os parlamentares do baixo clero. Só que ele detestava negociar com políticos. O presidente ainda compareceu a um jantar, promovido pelo deputado federal Onaireves, mas na ocasião era visível seu desconforto.

Com a inflação recuperando níveis anteriores ao confisco inicial, e os jornais descobrindo negociatas de P. C. Farias com Collor todos os dias, o impeachment tornou-se inevitável.

O irônico é que a prova das falcatruas foi um prosaico Fiat Elba, carrinho que devia dar nojo em Fernando Collor, homem habituado a Lamborghinis, Mercedes, Maseratis e bólidos do gênero.

Dilma Rousseff, que também foi defenestrada pelo Parlamento, poderia ter se livrado antes do dissabor. Bastava não se candidatar à reeleição, deixando o abacaxi (inflação represada, agora vazando pelos vertedouros, situação fiscal em desalinho etc.) para o Aécio Neves.

Poderia também ter feito campanha para perder. “Mas como, para perder?”, pode estar indagando o leitor.
astava não deixar o marqueteiro João Santana divulgar, no horário eleitoral da TV, aquelas cenas dos adversários tirando a comida (leia-se Bolsa Família) do prato do povo.

Bem, agora chegou a vez de Bolsonaro encarar o desafio, que ainda está na fase das insinuações. Longe de mim dizer que ele será impichado, ou mesmo que a mesa da Câmara aceitará algum dos pedidos acumulados nesse sentido. Mas o recado foi dado e entendido.

Jair Bolsonaro costuma se curvar a todas as intimidações. Seu perfil está longe daquele que fez dele presidente.
    “Não negocio cargos com políticos”.
    “Só nomearei técnicos para o meu ministério.”
    “Em meu governo (é verdade que ele não disse ‘em minha família’) não haverá corrupção.”
    
Sua primeira providência para chegar (com a faixa presidencial) a 31.12.2022 será parar de fazer pit stops na porta do Alvorada para conversar com seguidores. É nessa hora que ele diz as maiores sandices e conta as grandes mentiras. Ou que manda indagador comprar vacina na casa da mãe e ameaça dar murro na boca de jornalista.

Para que a Câmara dos Deputados apeie Bolsonaro do cargo, repito, será preciso que seu índice de aprovação caia mais. Bem mais.

Essa possibilidade, inexistente até pouco tempo, agora tende a crescer. É apoiada pelo número tétrico de 300 mil mortos, boa parte deles vítima da lerdeza do governo federal em criar um vasto programa de vacinação, tornar o uso de máscaras obrigatório e insistir com as pessoas para quem tomem remédios da farmácia JB.

A Bolsa examina essa situação diariamente. Sem paixões, como é de seu feitio. Já há muito deixou de acreditar num governo privatizante, no slogan “Mais Brasil, menos Brasília” A funesta aliança Bolsonaro/Covid acabou com tudo isso.

O que interessa agora é saber se os papéis negociados na B3 superarão os obstáculos que o Brasil terá pela frente. Acredito que sim. Pelo menos é o que o mercado de ações está revelando.

Se os fundamentos justificassem um crash, este já teria acontecido. Porque não me lembro, em meus 63 anos de trader, broker e analista, de ter testemunhado um Brasil tão sombrio.

Na medida do possível, um ótimo fim de semana para vocês.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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