Caro(a) leitor(a)
Antes de mais nada, acho bom lembrar que, para que um presidente da República sofra um impeachment, é preciso que sua popularidade seja baixíssima. Por piores malfeitos que faça, nenhum ocupante do Planalto perde o cargo se os níveis de aprovação ao seu governo forem robustos.
“A única coisa que mete medo em político é o povo nas ruas”, já dizia o finado Ulysses Guimarães. Agora, com a Covid, talvez não estejam nas ruas mas nas janelas e varandas batendo panelas. Dá no mesmo.
Esta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deu um duro recado para Jair Bolsonaro: “Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais"
Como o que interessa à esta coluna são os mercados financeiros, acho importante recordar que o impedimento do presidente da República não necessariamente afeta a Bolsa.
Simplesmente porque o processo acontece devagarinho. Quando chega o momento decisivo, já está decidido (com minhas desculpas pela aparente incongruência) por antecipação. Voltemos atrás no tempo para ver como os impeachments recentes aconteceram.
O começo do fim do governo de Fernando Collor de Mello aconteceu em maio de 1992, quando seu irmão, empresário Pedro Collor, numa entrevista concedida à revista Veja, o acusou de corrupção, através de um esquema controlado pelo testa de ferro Paulo César Farias.
Entre outras coisas, Pedro declarou à revista que Fernando ficava com 70% do lucro obtido com negócios ilícitos enquanto Farias embolsava os restantes 30%.
Talvez Collor se livrasse do impeachment se fizesse algum tipo de acordo com os parlamentares do baixo clero. Só que ele detestava negociar com políticos. O presidente ainda compareceu a um jantar, promovido pelo deputado federal Onaireves, mas na ocasião era visível seu desconforto.
Com a inflação recuperando níveis anteriores ao confisco inicial, e os jornais descobrindo negociatas de P. C. Farias com Collor todos os dias, o impeachment tornou-se inevitável.
O irônico é que a prova das falcatruas foi um prosaico Fiat Elba, carrinho que devia dar nojo em Fernando Collor, homem habituado a Lamborghinis, Mercedes, Maseratis e bólidos do gênero.
Dilma Rousseff, que também foi defenestrada pelo Parlamento, poderia ter se livrado antes do dissabor. Bastava não se candidatar à reeleição, deixando o abacaxi (inflação represada, agora vazando pelos vertedouros, situação fiscal em desalinho etc.) para o Aécio Neves.
Poderia também ter feito campanha para perder. “Mas como, para perder?”, pode estar indagando o leitor.
astava não deixar o marqueteiro João Santana divulgar, no horário eleitoral da TV, aquelas cenas dos adversários tirando a comida (leia-se Bolsa Família) do prato do povo.
Bem, agora chegou a vez de Bolsonaro encarar o desafio, que ainda está na fase das insinuações. Longe de mim dizer que ele será impichado, ou mesmo que a mesa da Câmara aceitará algum dos pedidos acumulados nesse sentido. Mas o recado foi dado e entendido.
Jair Bolsonaro costuma se curvar a todas as intimidações. Seu perfil está longe daquele que fez dele presidente.
“Não negocio cargos com políticos”.
“Só nomearei técnicos para o meu ministério.”
“Em meu governo (é verdade que ele não disse ‘em minha família’) não haverá corrupção.”
Sua primeira providência para chegar (com a faixa presidencial) a 31.12.2022 será parar de fazer pit stops na porta do Alvorada para conversar com seguidores. É nessa hora que ele diz as maiores sandices e conta as grandes mentiras. Ou que manda indagador comprar vacina na casa da mãe e ameaça dar murro na boca de jornalista.
Para que a Câmara dos Deputados apeie Bolsonaro do cargo, repito, será preciso que seu índice de aprovação caia mais. Bem mais.
Essa possibilidade, inexistente até pouco tempo, agora tende a crescer. É apoiada pelo número tétrico de 300 mil mortos, boa parte deles vítima da lerdeza do governo federal em criar um vasto programa de vacinação, tornar o uso de máscaras obrigatório e insistir com as pessoas para quem tomem remédios da farmácia JB.
A Bolsa examina essa situação diariamente. Sem paixões, como é de seu feitio. Já há muito deixou de acreditar num governo privatizante, no slogan “Mais Brasil, menos Brasília” A funesta aliança Bolsonaro/Covid acabou com tudo isso.
O que interessa agora é saber se os papéis negociados na B3 superarão os obstáculos que o Brasil terá pela frente. Acredito que sim. Pelo menos é o que o mercado de ações está revelando.
Se os fundamentos justificassem um crash, este já teria acontecido. Porque não me lembro, em meus 63 anos de trader, broker e analista, de ter testemunhado um Brasil tão sombrio.
Na medida do possível, um ótimo fim de semana para vocês.
Ivan Sant’Anna