Mercadores da Noite #39 - Paradigma de um novo tempo

10 de janeiro de 2018
A importância da defesa

Mercadores da Noite

Caro leitor,
     
Nas últimas décadas, os treinadores dos diversos esportes vêm dando mais importância às jogadas defensivas do que às ofensivas. Exemplos: “play defense”, nos Estados Unidos, é cada vez mais a tática do jogo. E os torcedores aprovam.
      
Nos jogos da NBA, quando o time visitante está de posse da bola, a torcida da casa grita o refrão:
      
“Defense”; “Defense”, “Defense”...

No futebol americano, a “interception”, jogada em que, tal como o próprio nome indica, um defensor intercepta o passe do quarterback (armador) adversário para um atacante, chega a ser mais comemorada pela torcida do que um touchdown, a principal meta do jogo e que vale seis pontos.
      
Aliás, a interception, diga-se de passagem, não vale pontos, mas impede que o adversário tenha a oportunidade de fazê-los. E não raro se converte em touchdown para o time que interceptou, pois pega a formação oponente totalmente desarrumada em campo.
    
Se a interceptação resultante em touchdown ocorre no Super Bowl, final do campeonato e evento esportivo mais importante do ano nos Estados Unidos, é a glória das glórias. O jogador que executou a jogada entra para a história e não raro para o Hall of Fame do futebol (americano).      

Voltemos ao basquete. Em partidas da NBA, os scouts registram o tempo todo, e os narradores informam, não só o número de cestas convertidas por cada um dos atletas, mas também os seus “tocos”, jogadas defensivas através das quais um jogador intercepta, ainda na ascendente, uma bola lançada por um adversário em direção à cesta.
     
No verdadeiro futebol (football – jogado com os pés), a cultura defensiva também vem se alastrando neste século. Na Copa do Mundo de 2002, disputada na Coreia do Sul e no Japão, por exemplo, o time da Inglaterra, que convertera, através de David Beckham, um gol de pênalti contra a Argentina, recuou os 11 jogadores. Sim, os 11. Não ficou nem um centroavante parado lá na frente à espera de um lançamento longo. 
     
O ferrolho foi tão perfeito que os ingleses ganharam o jogo, justamente por 1 a 0.
      
Numa das semifinais da UEFA Champions League 2009/2010 a Inter de Milão, treinada pelo português José Mourinho, venceu o primeiro jogo, em casa, contra o Barcelona de Messi, Daniel Alves e Ibrahimovic por 3 a 1. No jogo de volta, uma semana mais tarde, no Camp Nou, bastava a Inter perder por um gol de diferença para ir à final.

Acontece que, aos 28 minutos do primeiro tempo, o brasileiro Thiago Motta, da Inter, foi expulso.
     
O Barça tinha 62 minutos, fora os acréscimos de cada tempo, para fazer dois gols. Isso com o apoio de sua fanática torcida.
    
Foi então que a experiência de Mourinho prevaleceu. Tal como os ingleses na Copa, oito anos antes, ele recuou os onze... aliás, os 10, pois Motta fora expulso. O Barcelona ainda fez um gol, através de Piqué, aos 39 do segundo tempo. Mas ficou nisso.

Defense e interception são também palavras de ordem entre os traders bem-sucedidos. Não perder, para poder ganhar. Sim, caro leitor. Se você não souber interceptar seus prejuízos, será alijado do jogo antes de ter em mãos o trade de sua vida.
     
Nos mercados futuros, defesa significa stop, que pode ser praticado de diversas maneiras.
     
Uma delas é jamais dormir com uma posição perdedora, não importa o quanto essa posição tenha parecido, ao trader que a fez, promissora no momento em que optou por ela. Dormir, só no lucro.
     
Existe também o stop cirúrgico. Explico: Detectado o ponto onde o mercado tem forte resistência ou suporte, você, como urso, põe uma ordem de venda exatamente nessa resistência, com um stop ligeiramente acima. Como touro, deixa uma ordem de compra nesse suporte, com um stop logo abaixo. 
     
Nos dois casos, sendo o stop curtíssimo, o prejuízo será desprezível. Mas, se o mercado, como se pode perfeitamente supor, seguir os parâmetros técnicos de suporte e resistência, você, touro ou urso, poderá usufruir de um trading rangevirtuoso.
     
Há também o stop calcado estritamente em fundamentos.
     
Sabe-se, por exemplo, que os bancos centrais dos diversos países trabalham em ciclos. Quando dão início a um período de aumentos (ou de cortes) nas taxas de juros, costumam permanecer nele por longo tempo, aumentando (ou diminuindo) as taxas a cada reunião. Pode-se então embarcar nessa tendência, através de um trade de longo prazo no mercado futuro de taxas de juros, usando o stop apenas quando a fase termina. E, não raro, um ciclo desses dura vários anos.

Um ditado de Wall Street diz: “Don’t fight the Fed” (Não lute contra o Fed). Acho que podemos dizer que a recíproca é verdadeira: “Siga o Fed”. Mas, se ele, ou qualquer outro banco central, reverter sua tendência, reverta também. Pois saber se defender é condição sine qua non para se poder jogar. Seja no Super Bowl, seja numa quadra de basquete, num campo de futebol ou na arena do mercado, onde touros e ursos travam sua batalha diária, os touros se desviando das patadas do urso, os ursos, das marradas do inimigo.
     
Hoje em dia são muitas as empresas que mantêm em seus quadros executivos apenas para fazer stops. Ou seja, para cortar prejuízos. Um bom exemplo disso são os funcionários das empresas de cartões de crédito cuja única função é fazer acordo com devedores inadimplentes. Mesmo que esses acordos impliquem em parcelamentos a perder de vista.
      
Voltando ao esporte, a importância de se defender é tanta que os times de futebol americano (que são empresas com fins lucrativos) possuem técnicos de ataque e de defesa. O raid (avanço da equipe que tem a posse de bola) gorou, foi interceptado. Tudo bem. Entram o time e o técnico de defesa.
     
No futuro as trading desks também poderão ser assim. Imaginemos a cena. Um trader vendeu e o mercado subiu. Pois então que (o trader) caia fora. Que assumam os especialistas em prejuízo, gente formada, e exaustivamente treinada, para lidar com perdas. Que saberá fazer o stop na hora, e da maneira, certa. Touros que substituam os ursos e ursos que entrem no lugar dos touros.
     
Quem sabe esse será o paradigma de um novo tempo.
     
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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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