Mercadores da Noite #38 - A tendência é sua amiga

5 de janeiro de 2018
Acertei na mosca

Mercadores da Noite

Caro leitor,
    
Ao longo das quase quatro décadas nas quais trabalhei como brokertrader e floor trader, não foram poucas as vezes nas quais segui de perto um mercado que subia (ou que caía) sem parar havia um longo período de tempo. 
     
Nessas ocasiões, eu aguardava ansioso – como um pescador com o dedo na carretilha à espera da fisgada do peixe grande — o ponto exato da reversão da tendência para iniciar uma posição bem no início de um movimento em sentido contrário.
   
Refiro-me à detecção precisa daquele instante mágico em que, sem que haja uma razão específica para tal, os touros cedem terreno aos ursos (ou vice-versa), momento esse que passa a ficar registrado nos gráficos sob a forma de uma agulha, exibindo o dia em que o mercado virou. A tal reversão. Que, depois que acontece, nos leva a comentar, não sem uma ponta de frustração: “Eu sabia, tava na cara que isso iria acontecer”.
    
Recapitulando minha carreira, tento me lembrar de quantas vezes captei com precisão esse momento. De quantas vezes acertei na mosca, embarcando na virada no instante em que ela ocorreu.
     
Lamento confessar mas acho que foram, no máximo, duas ou três vezes. Pois, embora eu tenha conseguido sobreviver tantos anos na árdua selva das trading desks e dos pregões, nunca fui muito forte no ofício de adivinho. E só os adivinhos acertam o minuto da virada dos mercados.
    
Se já aconteceu a você, caro trader leitor, ter voltado para casa, ao final de um dia de trabalho, aniquilado porque perdeu justamente a reversão pela qual vinha esperando havia muito tempo, e que considerava inevitável, e perdeu porque foi acometido de pânico paralisante no momento fatal, bem-vindo ao clube. Console-se porque o instante da virada parece tudo, menos... o instante da virada. Isso mesmo. O jornal amanhece cheio de notícias favoráveis ao touro (ou ao urso) e, de repente, no auge do pregão, o touro (ou o urso), inexplicavelmente, cai morto, vítima de um ataque apoplético fulminante.

É claro que, no dia seguinte, os jornais, cumprindo sua rotina de profetas do passado, irão explicar, provando por A + B, o motivo da virada. Que, depois que acontece, diz-se que estava na cara e que só não viu quem não quis.
Mas, convenhamos, se o movimento de mercado pelo qual você esperava havia um tempão realmente começou, não há de ser porque não o pegou desde o primeiro minuto que não deva iniciar sua posição, mesmo com atraso de um ou dois dias. Se o seu raciocínio era amparado por fundamentos sólidos, ou por gráficos claros, se o trade for realmente bom, você poderá surfar em sua onda por um longo tempo.
      
É bem verdade que, no momento da reversão, alguém vendeu (ou comprou), pois não há compras nem vendas solteiras. Mas pode ter certeza de que esse bottom ou top picker foi um sortudo casuístico que, provavelmente, já perdeu muito dinheiro com essa mania afobada de atropelar tendências. De entrar na frente de um trem em alta velocidade querendo pará-lo ou de tentar amparar uma pedra que vem rolando por uma encosta.
    
Os grandes movimentos terminam, é sempre bom lembrar, por exaustão. Explicando melhor: o que faz o mercado quebrar para baixo é a entrada do último touro, e não a do primeiro urso, o tal sortudo mencionado acima. O bear market também só acaba com a chegada do último urso.
    
Já que detectar viradas é tão difícil, resta a um trader surfar nas tendências, percebendo-as a tempo, mas sem a obrigatoriedade de acertar na mosca. Aí então poderá capturar os grandes movimentos de mercado, que podem durar meses, anos, às vezes mais do que uma década.
   
É melhor ser urso em meio aos ursos, ou touro em meio aos touros, do que tentar ser aquele herói que deu início ao novo ciclo, como um jogador de futebol americano que interceptou um lançamento do adversário em sua end zone, correu o campo todo e foi fazer um touchdown do outro lado.
    
Um dos maiores especialistas em operar tendências (e só tendências) foi Richard Dennis, que iniciou sua carreira como runner (auxiliar de pregão) em Chicago. Dennis, que depois se tornou floor trader na CBoT, virou um ícone dos trend followers até se aposentar. Acompanhando tendências bem definidas, construiu uma fortuna pessoal de centenas de milhões de dólares.

Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, em meados dos anos 1980, no pregão de soja. Lá ele era conhecido como The Ice Man. Encontrava-se no auge da fama. Estava sempre cercado por outros traders, interessados em copiar suas posições. Isso chegou a lhe causar sérios inconvenientes, pois não podia abrir a boca no pitch sem que um bando de macacos de imitação o acompanhasse, antes mesmo dele poder completar seu lote. Quando era touro, todo mundo punha chifres. Se virava urso, os demais vestiam peles.
      
No livro Market Wizards, de Jack D. Schwager, coletânea de entrevistas com traders bem-sucedidos, Richard Dennis faz questão de minimizar a importância de se detectar o ponto exato de virada do mercado. O essencial, segundo ele, é perceber bem a tendência e usufruir dela até que mude. “Até que mude”, e não até que se ganhe determinada quantia e se dê por satisfeito. Pois é preciso maximizar os lucros – frisa Dennis –, para que se possa pagar os inevitáveis prejuízos, principalmente quando o mercado se torna errático (trendless).
   
Nessa mesma linha de raciocínio, Dennis enfatiza que o maior pecado de um trader é perder uma boa oportunidade de negócio, seja por displicência, seja por não captar uma tendência clara. Se o mercado – agora quem diz sou eu – está caindo (ou subindo) há vários dias, e os gráficos apontam para baixo (ou para cima), é necessário acompanhá-lo em sua jornada vitoriosa, em vez de ficar esperando uma reversão.
    
A estratégia é mais ou menos óbvia, mas, na antológica definição de Nelson Rodrigues, “só os profetas enxergam o óbvio”.
   
Nelson também dizia que os homens não são lembrados por aquilo que dizem, ou que escrevem, mas pelo que repetem.
    
“The trend is your friend” (A tendência é sua amiga), não se cansava de falar o Homem de Gelo.

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Um abraço,

Ivan Sant'Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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