Mercadores da Noite #32 - A história não fala dos covardes

6 de dezembro de 2017
Está na hora de mudar

Mercadores da Noite

Caro leitor,

“E aí, Marco Aurélio, como foi de fim de semana? E o Timão, hein? Torci por eles só por causa de você.” Às vezes, Tatiana, operadora de clientes da corretora Amalgamated, exagerava no puxa-saquismo. “Também, com aquele juiz...”, ela prosseguiu. “Aposto que é palmeirense roxo.”

Depois de uma semana especialmente desastrada, onde quase todos os seus trades haviam dado errado, no domingo Marco Aurélio Silva Souza fora ao Itaquerão. E lá tivera o desgosto de ver o Corinthians perder de 1 a 0 para o Palmeiras, logo para o Palmeiras. Isso com um gol de pênalti, mais do que duvidoso, aos 51 minutos do segundo tempo.

“Nem me fale, Tati. Nem me fale naquele juiz. Moleque safado. Só de lembrar dele eu sinto meus triglicerídeos e minha glicose fazendo um breakaway gap. Que nem o gráfico do Ibovespa na semana passada, justamente quando eu estava vendido, por recomendação sua. Lembra?". 

“Pois é, o Ibovespa, deve... deve... deve ter sido um short covering que exagerou para cima e rompeu uma resistência”. Tatiana sentiu um nó na garganta, que desceu pela faringe e pelo esôfago, bateu pique no estômago e voltou a subir.

Marco Aurélio aliviou: “Tá bom, tá bom. A história não fala dos covardes. Falando em Ibovespa, você está vendo algum trade promissor para hoje?”.

Às vezes parecia que Marco encarava os diversos mercados como se fossem os itens do cardápio de um restaurante. Uma vez sentado à mesa, o freguês tem de pedir alguma coisa ao garçom, nem que seja uma sugestão.

Tatiana, por sua vez, detestava futebol. Só assistia a jogos do Brasil, mesmo assim em Copas do Mundo, para não parecer uma alienada. Do que gostava mesmo era do mercado financeiro, principalmente das participações nas corretagens que a Amalgamated cobrava dos clientes.

Naquela segunda-feira ela dera uma rápida olhada na primeira página do caderno de esportes do jornal, apenas para ter um assunto antes de passar as expectativas de abertura para o Marco Aurélio, titular de uma de suas melhores contas. Por isso se sentiu aliviada quando, por iniciativa dele, pôde pular logo para o que interessava: os itens do cardápio... oops, as diversas opções do mercado.

O medo de Tati era que Marco se tornasse um home broker e passasse a negociar diretamente de seu computador, como muitos clientes estavam fazendo naqueles tempos perversos.

“Bem, Marco Aurélio, o INPE está prevendo a chegada de uma Frente Fria no Sul, procedente de Bahia Blanca, na Argentina. Pode até nevar na Serra Gaúcha.”

“Compre dez lotes de Café Dezembro.”

A moça podia ser bajuladora e ambiciosa, mas não era desonesta: “Mas Marco Aurélio, na Serra Gaúcha não se planta café. Para saber se esse frio todo vai chegar ao Sul de Minas, onde existem cafezais para valer, teremos de esperar alguns dias. Aliás, o INPE está estimando que a Frente Fria se desloque para o oceano, empurrada por uma massa quente atípica nesta época do ano.”

“Vai para o oceano? Então vende dez lotes de Café Dezembro. O mercado vai desabar.”

“Puxa vida, Marco, você não sabe conversar amistoso? Só valendo três pontos? O que eu quero dizer é que se o café subir muito, na expectativa desse frio, e se o INPE mantiver sua previsão, a gente (como todo corretor que se preza, Tatiana sempre usava o plural de cumplicidade com seus clientes) podia vender alguns lotes. Mas não nesse nível. Bem mais acima.”

Marco Aurélio Silva Souza não escondeu sua decepção.

“Tá bom, querida. Esquece o café. Só que esse negócio de esperar não é comigo. Eu gosto mesmo é de ação. De adrenalina. Preciso de alguma coisa para torcer. A gente só tem uma vida. Não tem mais nada pra fazer? Soja, milho, açúcar, Petrobras, Vale, boi gordo, opções de dólar, DIs... Precisamos (agora quem usou o plural foi ele) recuperar o prejuízo da semana que passou.”

Ela ignorou as perguntas e a insinuação e voltou a passar as principais notícias. “Eu vi ontem à noite, na Bloomberg, que os analistas estão esperando um número fraco na produção industrial que sai esta semana. Por isso eu acho que...”

“Vende 20 lotes de Ibovespa. Logo na abertura. Pro primeiro comprador que aparecer.”

“Nos Estados Unidos, Marco. Nos Estados Unidos. O comentarista do Bloomberg estava se referindo à produção industrial dos Estados Unidos. Não a daqui.”

O cliente não perdeu o rebolado. Nem a viagem.

“Número fraco na produção industrial americana? Que maravilha! Quando o mercado lá fora abrir, vence cinco S&P Setembro, compra 10 contratos de Treasury Bonds, 30 de libras, 30 de ienes e 30 de euros. Nessa eu vou pôr pra quebrar. Prefiro muito mais ganhar em moeda forte. Que real, que nada. Eu gosto mesmo é de dólar.”

Os Marco Aurélio Silva Souza da vida jamais ganharão dinheiro no mercado, seja em ações, seja em opções, seja em commodities ou índices futuros. Aliás, são eles que sustentam os ganhadores. Operar de orelhada é receita garantida para o insucesso, para o irremediável fracasso.

Se você, caro amigo leitor da Inversa, é daqueles que se sentem na obrigação de estar sempre posicionado, seja como touro, seja como urso, está na hora de saber que isso é ótimo... ótimo para os brokers.

Está na hora de mudar. Aja como um leopardo ou uma leoa na savana africana. Fique de fora, à espreita, sorrateiro. Aguarde o momento certo de agir. Só vá na boa. Mesmo que ela demore um dia, três dias, uma semana para se materializar.

Lembre-se a todo momento que, se você não está posicionado, ao menos não está perdendo.

Não fixe metas ilógicas, do tipo: “Só vou liquidar meus dólares quando tiver recuperado o que perdi no DI.” Ou: “só vendo minhas Vale quando der para comprar aquele apê.” Muito menos crie metas gregorianas como: "Já estamos no fim de novembro e não vou querer fechar meu ano no prejuízo.”

Mais do que tudo, lembre-se de que o mercado não vai acabar. Vai reabrir amanhã, depois de amanhã, no ano que vem, no século 22. Continuará existindo até o fim dos tempos.

Espere, observe, leia, ouça, aprenda com seus erros passados, tire lições dos erros dos outros.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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