Mercadores da Noite #31 - Four de Ases

29 de novembro de 2017
Uma das maiores tacadas na Bolsa

Mercadores da Noite

Caro leitor,

A história que vou narrar nesta newsletter realmente aconteceu e dela fui testemunha. Mas os detalhes, tais como datas e preços são inventados por mim, já que não interessam no contexto, deles não me lembro e não me empenhei muito em pesquisar.

As iniciais dos quatro personagens são reais e os envolvidos, se por acaso tiverem acesso a este texto, com certeza se reconhecerão na narrativa. Era uma época em que os negócios se dividiam entre a Bovespa (negociações à vista) e a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (negócios com opções). Depois São Paulo açambarcou tudo.

Protagonista nº 1: A. G. F. – Matemático, especulador de mercado, um dos traders de maior audácia e sangue-frio que conheci. Ouvia muito, falava pouco. Fumava Continental sem filtro e se amarrava num Jack Daniel’s. Fui um dos seus brokers no mercado internacional.

Protagonista nº 2: A. C. A. B. – Multimilionário, banqueiro, segurador e grande investidor em bolsa. Numa época em que eu não perdia um jogo do Fluminense, fosse onde fosse, volta e meia o encontrava em um lugar fora de mão, como o estádio Getúlio Vargas, em Fortaleza, ou a antiga Fonte Nova, em Salvador, ambos vendo o Flu jogar.

Protagonista nº 3: N. N. – Especulador no Brasil e no exterior. Arrisca tudo em uma parada. Andei pegando carona em seu jatinho e tinha contato diário com seu principal assessor, M. D., falecido há pouco tempo.

Protagonista nº 4: D. D. – Banqueiro, especulador, profundo conhecedor de matemática e de fusões e aquisições. Sua ousadia não tem limites. É mestre em negócios tão complicados que só ele entende. Nunca estive com D. D. pessoalmente.

Relacionado o cast, vamos aos fatos:

O ano era 1988, talvez um pouco antes (isso não tem a menor importância neste relato). A moeda, o cruzado, cujo símbolo era Cz$.

Se os traders brokers do mercado de ações daqueles tempos soubessem que, numa noite de domingo, A. G. F., A. C. A. B., N. N. e D. D. estavam jantando juntos, maquinando uma jogada no mercado, tremeriam nas bases. Era como se Pelé, Maradona, Messi e Cristiano Ronaldo jogassem no mesmo time e na mesma época.

O objetivo da conversa dos quatro ases naquele domingo modorrento (a não ser para eles) era um só: ações da Cia. Vale do Rio Doce. Mais precisamente opções da Vale.

Ao invés de contar o que eles decidiram naquele encontro, prefiro narrar por ordem cronológica os acontecimentos que dali surgiriam, para não estragar o prazer do final da história ao estimado leitor.

A Vale estava cotada a 23 cruzados − este número, que acaba de ser inventado por mim, pode estar totalmente fora da realidade, mas isso não tem a menor relevância. O que vale (com o perdão pelo trocadilho) é o que os quatro ases fizeram nos dias que se seguiram ao rega-bofe (mais “rega” do que “bofe”) dominical.

A partir da abertura de segunda-feira, a quadra de bruxos das finanças, usando diversas corretoras de São Paulo e do Rio de Janeiro, passou a comprar grandes lotes de opções de determinado exercício de Vale, digamos 30 cruzados, que venceria dali a oito pregões.

Era um strike totalmente fora do dinheiro (deep out of the money). Portanto valia quase pó, coisa de alguns centavos de cruzado. Isso até que começaram a chegar, aos borbotões, e vindo de tudo quanto é lado, as ordens de compra do quarteto diabólico. Em questão de minutos o strike 30 triplicou de preço. Como a Vale à vista não se movia, começaram a surgir vendedores do 30.

“Quem vendeu essas opções?”, eu pergunto. E eu mesmo respondo:

“Alguns especuladores, tentando capturar o time value, mas principalmente fundos privados, fundos de pensão das estatais, tesourarias de alguns bancos e grandes acionistas da Vale.”

Afinal de contas, se o mercado subisse quase 30 por cento em oito sessões, eles simplesmente entregariam o papel no vencimento. A situação econômica do Brasil estava muito ruim, a inflação galopante ameaçava virar hiper, o minério de ferro não fazia outra coisa a não ser cair e não havia motivo para a Vale se valorizar.

Depois que Pelé, Maradona, Messi e Cristiano Ronaldo encheram as burras com as opções strike 30, eles passaram a comprar Vale à vista. Tendo uma quase inesgotável linha de crédito, além de capital próprio, compravam tudo que podiam, fechando na boca do vendedor.

O papel subiu de 23 para 28 cruzados. As calls 30 deixaram de ser deep out of the money, tornando-se slightly out of the money. Faltavam ainda três dias para que as opções expirassem.

A essa altura todo o mercado sabia quem eram os compradores, coisa que os quatro espadas não fizeram a menor questão de desmentir. Ou melhor, confirmaram desmentindo, que é a melhor maneira de confirmar.

“Reunião num domingo? Sim, é claro. Fomos tratar de uma sociedade numa potranca de dois anos que vai dar o que falar.” Todo mundo sabia que A. G. F. era vidrado em puros-sangues de corrida.

Agora o mercado todo era comprador de Vale à vista e do strike 30. Quem vendeu? O bando (com todo o respeito) dos quatro. Vendeu em dobro o strike30, ficando short na call e, para que ele não desse exercício, detonaram a carteira do papel à vista.

Foi uma das maiores e mais bem confabuladas tacadas que já vi alguém dar na Bolsa.

O quarteto dividiu em partes iguais o lucro e continuou operando, agora cada um por si. Eu, que nessa época só operava Chicago e Nova York, babei de admiração.

Em meu livro “1929” narro diversas operações semelhantes a essa, ocorridas no maior bull market da história, o dos Esfuziantes Anos Vinte (The Roaring Twenties). Só que naquela época era mais fácil. Bastava alguém de prestígio, gente como Joseph Kennedy, Jesse Livermore ou Jack Morgan dissesse que determinado papel iria subir e o papel subia. Então eles, que tinham comprado antes de espalhar a notícia da alta iminente, embolsavam os lucros.

Eu sempre me entusiasmei com esses market makers. Talvez por isso tenha concebido Julius Clarence e Clive Maugh, os protagonistas de meu livro Os Mercadores da Noite. Eles conseguem ser ainda melhores do que esses ases de carne e osso.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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