Mercadores da Noite #28 - Sell on rallies

8 de novembro de 2017
Estou convicto

Mercadores da Noite

Caro leitor,

De vez em quando um dos leitores desta coluna reclama que uso em demasia termos em inglês. Sim, é verdade. Uso aqueles que não ficam bem em português, ou que são usados em inglês pelo mercado.

IPO (Initial Public Offering), por exemplo, é uma expressão tão comum que poucos se lembram de que ela significa “Oferta Pública Inicial”. Mas se recordam de que quem entrou na IPO da OGX quebrou a cara.

No dicionário inglês-português do Antônio Houaiss “rally”, cujo plural é “rallies”, significa coisas distintas. Entre elas, “comícios”, “passeatas”, “reunião”, “competição automobilística – quem não conhece o rally Paris-Dacar, que por sinal não passa nem por Paris nem por Dacar?”.

Houaiss poderia também ter escrito que rali é um “ponto demorado numa partida de tênis ou de vôlei”, além de outras coisas.

Só em sua última definição é que ele escreveu: “estar em alta depois de haver estado em baixa (diz-se de ações ou do mercado de ações)”.

Então sugiro que você, investidor na bolsa, “sell on rallies” ou “venda nos ralis”. Venda em português ou inglês. Mas venda.

O mercado de ações agora é dos ursos. Por isso deve ser vendido. E, quando digo “vender”, estou me referindo não só a liquidar posições à vista, mas também, para os mais ousados e abastecidos (de dinheiro), que gostam de operar alavancados, ficar short (olha o inglês de novo) no Ibovespa futuro.

Outra operação bastante lucrativa é vender calls. Mas só em ralis bem fortes, daqueles que dão a impressão de que o mercado virou, e sem se esquecer de que nesse caso o risco é infinito. Portanto têm de ser calls extremamente líquidos para que possam ser stopados (aqui não é português nem inglês: é um anglicismo que só o mercado usa). Exemplo: um trader diz para o outro:

“Droga, fui stopado nos calls que vendi.” E emenda com uma lamúria:

“Bastou eu fazer isso e o mercado despencou. Meu call deve estar virando pó. Vou mudar de profissão. Operar commodities.”

Existem duas razões básicas pelas quais estou pessimista para o mercado de ações nos próximos dez ou doze meses.

A primeira delas é que o governo Temer acabou. Ele vai continuar morando no Jaburu, despachando no Planalto, viajando no Airbus presidencial, visitando outros países (cada vez menos), lançando pedras fundamentais de obras que jamais sairão do papel, mas não fará reforma alguma, com exceção de um provável remendo aqui ou acolá.

No mais, será mais um lame duck (pato manco), termo que se usa nos Estados Unidos para definir os presidentes em fim de mandato, geralmente nos dias que separam a eleição, em novembro, da posse do sucessor, em janeiro. Nesses 60 dias, dizem as más línguas, o ocupante da Casa Branca não consegue nem mesmo um omelete com fritas à meia-noite. Os cozinheiros estão fora, num curso de culinária japonesa, preocupados em agradar o sucessor e sua família, vidrados num sushi.

Pato manco com quase doze meses de antecedência é dose. Mas o palácio do Planalto já testemunhou um: José Sarney, que conseguiu a façanha de presidir uma eleição presidencial com 20 candidatos, todos de oposição.

A reforma da Previdência, uma das principais bandeiras de Michel Temer, ao assumir o Planalto no lugar de Dilma Rousseff, exige alterações na Constituição. Provavelmente nem será votada nas Casas do Congresso. Talvez, num último grasnar do pato, ele consiga aprovar uma idade mínima que pouca mudança atuarial trará ao sistema.

A segunda razão para que o mercado não suba, com exceção de esporádicos ralis (ou rallies) é algo sobre o qual falei num dos quatro episódios da série “O investidor do século”, protagonizada por mim e produzida pela Inversa:

 “O mercado não reflete o passado, nem o presente, mas sim o que não pode deixar de acontecer no futuro.”

Arrisco-me, sem quase nenhum receio de errar, a dizer que dos dois candidatos que chegarão ao segundo turno das eleições presidenciais, que acontecerá no dia 30 de outubro de 2018, pelo menos um deles será nocivo ao mercado de ações.

São bem razoáveis também as chances de que tenhamos dois candidatos nesse dia 30.10.18 malqueridos pelos investidores. Digamos que sejam.... Bem, deixa pra lá. Todo mundo sabe quem são eles.

Por outro lado, a possibilidade de que tenhamos, na rodada decisiva, dois competidores favoráveis às reformas, às privatizações, ao enxugamento brutal do Estado (que são as coisas das quais o Brasil mais precisa) é praticamente nula.

Só um sonhador pode imaginar um segundo turno entre, digamos, Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin. Ou entre Ronaldo Caiado e Luciano Huck. Ou qualquer combinação desses quatro nomes.

Isso simplesmente não vai acontecer.

Ditas essas coisas meio óbvias, é preciso lembrar que muita gente, creio que até a maioria dos players (olha o inglês novamente), já percebeu isso. Caso contrário não seriam óbvias. Portanto não adianta sair shorteando o Ibovespa a qualquer preço.

Espere um rally de respeito, que pode ser precedido por duas ou três notícias boas. Quem sabe uma melhora nos números do desemprego no Brasil, uma alta das commodities, um incremento das vendas do comércio no Natal, outras reduções na taxa Selic, etc.

No auge desse rally os traders vão se lembrar de quem está liderando as pesquisas e de quem está no segundo lugar.

Posso garantir que durante a campanha presidencial vai haver candidato que provará por A + B que a Previdência não tem déficit, que sua reforma afetará apenas os mais pobres e que, em lugar de reformá-la, irá aumentar a arrecadação do INSS criando sei lá quantos milhões de empregos com carteira assinada.

Poderá também dizer que a classe C voltará a viajar de avião ou que bandido bom é bandido morto.

O eleitor, meus amigos, adora ouvir essas coisas. Ele ainda acha que o governo muda os costumes, cria riquezas e que, quando não cria, é por pura malvadeza.

Como, em minha opinião, já estamos em pleno terreno eleitoral, minado pelos enganadores de sempre, recomendo convicto:

Sell on rallies, venda nos ralis, vendre sur des rallyes. Não importa a língua, venda!

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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