Syd Field (1935-2013) foi um roteirista americano que se destacou pelos livros que escreveu sobre técnicas da profissão.
Eu, por exemplo, li seis: Screen Writing; The Screenwriter’s Workbook; Four Screenplays; Going to the Movies; Selling a Screenplay; e The Screenwriter’s Problem Solver.
Foi muito graças à obra dele que pude trabalhar na Rede Globo, escrevendo episódios das séries Carga Pesada e Linha Direta. Mais tarde, quando já estava efetivado na emissora, tive a sorte de participar de duas oficinas de roteiros no Projac (Central Globo de Produção) ministradas pelo próprio Field.
Syd dividia os roteiros em três partes: Ato 1, Ato II e Ato Final (ou Ato III). Entre o Primeiro e o Segundo, e entre o Segundo e o Final havia dois pontos Pontos de Virada: I e II. É quando a trama de um filme toma novo rumo, não raro inesperado.
Num romance, o Ponto de Virada I pode ser quando os dois protagonistas (uma mulher e um homem) se conhecem e iniciam um affair. O Ponto de Virada II surge, inesperadamente e quase no final, na cena em que ela descobre que ele é casado e tem dois filhos. É o caso do excepcional Educação (An Education) roteirizado por Nick Hornby, que narra um caso amoroso entre uma colegial e um homem mais velho.
O mercado de ações tem seu roteiro, seus atos, seus pontos de virada, embora jamais tenha um final. O de câmbio também. Quem consegue deduzir, seja por análise técnica ou fundamentalista, como será o desfecho do “filme”, terá ganho na Mega-Sena.
Nas últimas semanas, ao fazer novos highs e continuar subindo, o Ibovespa sinalizou um novo estágio (ou ponto de virada) no bull market que se iniciou quando o impeachment de Dilma Rousseff mostrou-se inevitável. Mais tarde, com o ajuste fiscal e o processo de privatizações adotados no governo Temer, a corrida dos touros tornou-se uma debandada, com os ursos sendo impiedosamente esmagados no tropel.
A bolsa ignorou a postergação da reforma da Previdência, as denúncias contra Temer e a situação crítica do Tesouro. Os agentes econômicos estão acreditando na resolução de todos esses problemas.
Tubo bem, isso é muito bonito, mas no horizonte próximo haverá um ponto de virada, que poderá até ser uma aceleração da alta como também uma volta de 180º. Arrisco-me, temerariamente, até a fixar uma data para tal: quinta-feira 1º de março de 2018. Isso porque o ano pra valer no Brasil só começa após as Festas, as férias de verão e o Carnaval.
Depois desse período, os mercados de ações e de dólar vão olhar apenas para as eleições presidenciais de 2018, com o primeiro turno em 7 de outubro e o segundo no dia 28 do mesmo mês.
Se o Lula tiver saído do páreo, por condenação em segunda instância, inelegibilidade, ou até mesmo desistido de concorrer à Presidência, as eleições continuarão a ter um patinho feio: Jair Bolsonaro.
Por quê? Afinal de contas ele não é um candidato de direita, anticomunista de carteirinha e que diz frases que milhões de brasileiros apoiam abertamente e outros milhões apoiam in pectore?
“Bandido bom é bandido morto.”
“Todo cidadão de bem deve ter o direito de possuir uma arma.”
“Menino brinca com bola; menina, com boneca.”
Além de ser contra o movimento LGBT, Bolsonaro se opõe à defesa dos direitos humanos e apoia as torturas praticadas no regime militar.
Nada disso afeta o mercado!
Acontece que Jair Bolsonaro é ultranacionalista, vale dizer xenófobo. É contra o capital estrangeiro, e até mesmo do nacional privado, em setores que considera estratégico tais como exploração do subsolo e operação de hidrelétricas. Diz que “a China está garantindo sua segurança alimentar com as nossas terras e vamos nos tornar inquilinos dela.”
Tem mais: Acha que a inflação não deve ser combatida com elevação das taxas de juros. Defende o corporativismo dos funcionários públicos. Talvez pensando apenas nos militares, mas defende.
Pensando bem, as posições de Bolsonaro, economicamente falando, são mais à esquerda do que as do Lula, que adora um capitalismo selvagem. Mas o outro gosta de bandido morto e de garotos brincando de carrinhos e o populacho também aprecia isso.
Para piorar as coisas, se eleito, Jair Bolsonaro terá uma bancada insignificante no Congresso. Vai tentar governar se comunicando diretamente com o povo. Só que os dois que tentaram fazer isso, Jânio Quadros e Fernando Collor, se deram mal.
Minha conclusão é que se Bolsonaro estiver bem nas pesquisas, com chances de se eleger para o Planalto, o Ibovespa vai retornar para o nível de 50 mil pontos e o dólar ultrapassará fácil os 4 reais. O mesmo acontecerá se o Lula estiver na mesma posição.
Por outro lado, se candidatos progressistas, na verdadeira acepção da palavra, tais como Dória, Meirelles, Alckmin, etc. estiverem bem posicionados nas pesquisas, o roteiro do ano que vem será bullish para a Bolsa e bearish para o câmbio.
Há também os candidatos enigmáticos, tais como Marina Silva e Ciro Gomes. De Marina se diz que é “mulher melancia” (verde por fora e vermelha por dentro). Ciro Gomes costuma se enforcar nas próprias palavras. Mas tem o mérito de ter sido um ótimo governador do Ceará e ministro da Fazenda durante a implantação do Plano Real.
A campanha eleitoral e as pesquisas de intenção de voto ditarão os rumos da bolsa e do dólar ao longo do imprevisível ano de 2018.
O resultado de algumas eleições presidenciais só é conhecido após a apuração de todas as urnas, quando as pesquisas de opinião apontam um empate técnico. Isso aconteceu na disputa Collor/Lula em 1989. Outras são sabidas de antemão, quando o vencedor é uma obviedade.
Também poderemos ter, e isso aconteceria se as eleições fossem disputadas hoje, um segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Nesse caso as eleições serão uma batalha extremamente sangrenta entre ursos e ursos, na bolsa, e entre touros e touros, no câmbio.
Se o professor e roteirista Syd Field estivesse vivo, e fosse fazer um roteiro para essa hipótese desconcertante, teria de criar um ATO IV: IRRESOLUÇÃO.