Mercadores da Noite #24 - Irresolução

11 de outubro de 2017
Ibovespa a 50 mil pontos

Mercadores da Noite

Syd Field (1935-2013) foi um roteirista americano que se destacou pelos livros que escreveu sobre técnicas da profissão.

Eu, por exemplo, li seis: Screen Writing; The Screenwriter’s Workbook; Four Screenplays; Going to the Movies; Selling a Screenplay; e The Screenwriter’s Problem Solver.

Foi muito graças à obra dele que pude trabalhar na Rede Globo, escrevendo episódios das séries Carga Pesada e Linha Direta. Mais tarde, quando já estava efetivado na emissora, tive a sorte de participar de duas oficinas de roteiros no Projac (Central Globo de Produção) ministradas pelo próprio Field.

Syd dividia os roteiros em três partes: Ato 1, Ato II e Ato Final (ou Ato III). Entre o Primeiro e o Segundo, e entre o Segundo e o Final havia dois pontos Pontos de Virada: I e II. É quando a trama de um filme toma novo rumo, não raro inesperado.

Num romance, o Ponto de Virada I pode ser quando os dois protagonistas (uma mulher e um homem) se conhecem e iniciam um affair. O Ponto de Virada II surge, inesperadamente e quase no final, na cena em que ela descobre que ele é casado e tem dois filhos. É o caso do excepcional Educação (An Education) roteirizado por Nick Hornby, que narra um caso amoroso entre uma colegial e um homem mais velho.

O mercado de ações tem seu roteiro, seus atos, seus pontos de virada, embora jamais tenha um final. O de câmbio também. Quem consegue deduzir, seja por análise técnica ou fundamentalista, como será o desfecho do “filme”, terá ganho na Mega-Sena.

Nas últimas semanas, ao fazer novos highs e continuar subindo, o Ibovespa sinalizou um novo estágio (ou ponto de virada) no bull market que se iniciou quando o impeachment de Dilma Rousseff mostrou-se inevitável. Mais tarde, com o ajuste fiscal e o processo de privatizações adotados no governo Temer, a corrida dos touros tornou-se uma debandada, com os ursos sendo impiedosamente esmagados no tropel.

A bolsa ignorou a postergação da reforma da Previdência, as denúncias contra Temer e a situação crítica do Tesouro. Os agentes econômicos estão acreditando na resolução de todos esses problemas.

Tubo bem, isso é muito bonito, mas no horizonte próximo haverá um ponto de virada, que poderá até ser uma aceleração da alta como também uma volta de 180º. Arrisco-me, temerariamente, até a fixar uma data para tal: quinta-feira 1º de março de 2018. Isso porque o ano pra valer no Brasil só começa após as Festas, as férias de verão e o Carnaval.

Depois desse período, os mercados de ações e de dólar vão olhar apenas para as eleições presidenciais de 2018, com o primeiro turno em 7 de outubro e o segundo no dia 28 do mesmo mês. 

Se o Lula tiver saído do páreo, por condenação em segunda instância, inelegibilidade, ou até mesmo desistido de concorrer à Presidência, as eleições continuarão a ter um patinho feio: Jair Bolsonaro.

Por quê? Afinal de contas ele não é um candidato de direita, anticomunista de carteirinha e que diz frases que milhões de brasileiros apoiam abertamente e outros milhões apoiam in pectore?

“Bandido bom é bandido morto.”

“Todo cidadão de bem deve ter o direito de possuir uma arma.”

“Menino brinca com bola; menina, com boneca.”

Além de ser contra o movimento LGBT, Bolsonaro se opõe à defesa dos direitos humanos e apoia as torturas praticadas no regime militar.

Nada disso afeta o mercado!

Acontece que Jair Bolsonaro é ultranacionalista, vale dizer xenófobo. É contra o capital estrangeiro, e até mesmo do nacional privado, em setores que considera estratégico tais como exploração do subsolo e operação de hidrelétricas. Diz que “a China está garantindo sua segurança alimentar com as nossas terras e vamos nos tornar inquilinos dela.”

Tem mais: Acha que a inflação não deve ser combatida com elevação das taxas de juros. Defende o corporativismo dos funcionários públicos. Talvez pensando apenas nos militares, mas defende.

Pensando bem, as posições de Bolsonaro, economicamente falando, são mais à esquerda do que as do Lula, que adora um capitalismo selvagem. Mas o outro gosta de bandido morto e de garotos brincando de carrinhos e o populacho também aprecia isso.

Para piorar as coisas, se eleito, Jair Bolsonaro terá uma bancada insignificante no Congresso. Vai tentar governar se comunicando diretamente com o povo. Só que os dois que tentaram fazer isso, Jânio Quadros e Fernando Collor, se deram mal.

Minha conclusão é que se Bolsonaro estiver bem nas pesquisas, com chances de se eleger para o Planalto, o Ibovespa vai retornar para o nível de 50 mil pontos e o dólar ultrapassará fácil os 4 reais. O mesmo acontecerá se o Lula estiver na mesma posição.

Por outro lado, se candidatos progressistas, na verdadeira acepção da palavra, tais como Dória, Meirelles, Alckmin, etc. estiverem bem posicionados nas pesquisas, o roteiro do ano que vem será bullish para a Bolsa e bearish para o câmbio.

Há também os candidatos enigmáticos, tais como Marina Silva e Ciro Gomes. De Marina se diz que é “mulher melancia” (verde por fora e vermelha por dentro). Ciro Gomes costuma se enforcar nas próprias palavras. Mas tem o mérito de ter sido um ótimo governador do Ceará e ministro da Fazenda durante a implantação do Plano Real.
   
A campanha eleitoral e as pesquisas de intenção de voto ditarão os rumos da bolsa e do dólar ao longo do imprevisível ano de 2018.

O resultado de algumas eleições presidenciais só é conhecido após a apuração de todas as urnas, quando as pesquisas de opinião apontam um empate técnico. Isso aconteceu na disputa Collor/Lula em 1989. Outras são sabidas de antemão, quando o vencedor é uma obviedade.

Também poderemos ter, e isso aconteceria se as eleições fossem disputadas hoje, um segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Nesse caso as eleições serão uma batalha extremamente sangrenta entre ursos e ursos, na bolsa, e entre touros e touros, no câmbio.

Se o professor e roteirista Syd Field estivesse vivo, e fosse fazer um roteiro para essa hipótese desconcertante, teria de criar um ATO IV: IRRESOLUÇÃO.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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