Caro(a) leitor(a),
Antes de mais nada, acho prudente avisar que este texto está sendo escrito no início da noite de quinta-feira, 7 de janeiro.
Até o momento em que ele for disparado para os leitores, neste sábado, 9 de janeiro, muitas coisas poderão ter acontecido nos Estados Unidos, inclusive o impeachment do presidente Donald Trump, com base na 25ª emenda à Constituição Americana, por incapacidade de governar.
Na última quarta-feira, 6 de janeiro, que, nos Estados Unidos, substituirá 7 de dezembro (data do ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941) como Dia da Infâmia (expressão criada pelo presidente Franklin Delano Roosevelt), o índice Industrial Dow Jones da Bolsa de Valores de Nova York subiu 0,6%, ou 167,71 pontos.
Ou seja, traders, gestores e especuladores os mais diversos não deram a menor pelota para o que acontecia no Capitólio. Havia uma certeza generalizada de que o incidente acabaria sendo contido, embora com muita lerdeza e negligência policial, como foi o caso.
A tática inicial dos republicanos era clara. Em cada Estado no qual Joe Biden venceu Donald Trump com margem estreita, eles exigiriam, nas duas Casas (Câmara e Senado) separadamente, uma apreciação do resultado das urnas.
Isso está previsto na legislação e na prática eleitoral americana, das mais complicadas e anacrônicas do mundo.
Pois bem, como o processo flui por ordem alfabética, vieram primeiro Alabama e Alasca, com vitórias republicanas. Nenhum dos senadores contestou.
Quando chegou a vez do Arizona, onde Biden venceu Trump por apenas 0,30% de diferença (49,36% a 49,06%, ou 1.672.143 a 1.661.686), alguns senadores exigiram uma auditoria no resultado.
Tal como determina o regimento das Casas do Congresso, senadores e representantes se deslocam para seus respectivos plenários, onde têm duas horas para chegar a uma conclusão sobre a legitimidade da contagem.
A atitude de contestação provavelmente prosseguiria quando apreciassem a Georgia (49,47% a 49,24%), a Pensilvânia (50,01% a 48,84%) e Wisconsin (49,45% a 48,82%), todos esses Estados com resultados extremamente apertados.
Seriam pelo menos oito horas de deliberações em separado, fora o tempo das discussões no plenário conjunto.
Nada disso alteraria o desenlace das eleições. Isso porque diversos senadores republicanos não estavam dispostos a participar da artimanha puramente protelatória.
Se houvesse a menor possibilidade de a votação ser revertida, as bolsas de valores americanas teriam trabalhado o dia todo com enorme volatilidade.
O que acho que ninguém esperava é que os manifestantes trumpistas invadissem o Capitólio e provocassem enorme destruição nos corredores, gabinetes e plenários das Casas, deixando inclusive um saldo de quatro mortos (até o momento, pois ainda há gente gravemente ferida).
Essas coisas impressionam muito as pessoas que assistem aos telejornais, mas não sensibilizam nem um pouco o mercado de ações.
Os mercadores têm pleno conhecimento de que Joe Biden irá tomar posse no dia 20 de janeiro e que exercerá um mandato normal, sem os sobressaltos da era Trump.
E é isso que lhes interessa.
Em 1º de março de 1954, durante a administração Harry Truman, 4 militantes da independência de Porto Rico subiram até as galerias da Câmara dos Representantes e dispararam contra os deputados lá embaixo, no plenário.
Cinco parlamentares foram atingidos, ficando um gravemente ferido.
Os atiradores foram condenados à prisão perpétua, mais tarde indultados pelo presidente Jimmy Carter, que os enviou para Porto Rico sob a condição de jamais voltarem ao território continental americano.
Nessa ocasião do tiroteio, a Bolsa de Valores de Nova York nem se mexeu.
Por outro lado, se, após tomar posse, o presidente Joe Biden anunciar – e isso é só um exercício de adivinhação – um imposto sobre grandes fortunas (Bernie Sanders vai gostar), as Bolsas levam um tombaço.
Na outra face da moeda, se Biden lançar um pacote de auxílio às empresas e aos desempregados, o mercado americano de ações vai fazer novas máximas de todos os tempos.
Bolsas de valores só se interessam por fundamentos que as afetam, o que não foi o caso da gravíssima baderna da última quarta-feira.
A grande baixa do evento certamente foi Donald Trump, cuja carreira política simplesmente acabou.
Se ele deixou indignados, com algumas exceções, os políticos de seu próprio partido, vai disputar o quê?
Trump provavelmente vai terminar seus dias na cadeia, tantos foram os crimes que cometeu, e provavelmente falido, já que boa parte de seus negócios no ramo hoteleiro e em campos de golfe perdeu muito durante a pandemia.
Acontece que Wall Street está pouco se lixando para isso. Não se comoveu nem mesmo com o assassinato de John Kennedy. Por que irá se importar com um paspalho que ensandeceu a Casa Branca durante quatro anos?
Um forte abraço e um ótimo fim de semana.
Ivan Sant’Anna