Mercadores da Noite #206 - A Batalha de Washington

9 de janeiro de 2021
Ninguém esperava que manifestantes trumpistas invadissem o Capitólio e provocassem enorme destruição. Fato é, todavia, que tal acontecimento não sensibiliza nem um pouco o mercado de ações. Os mercadores sabem que Joe Biden irá tomar posse no dia 20 de janeiro e exercerá um mandato sem os sobressaltos da era Trump.

Caro(a) leitor(a),

Antes de mais nada, acho prudente avisar que este texto está sendo escrito no início da noite de quinta-feira, 7 de janeiro.

Até o momento em que ele for disparado para os leitores, neste sábado, 9 de janeiro, muitas coisas poderão ter acontecido nos Estados Unidos, inclusive o impeachment do presidente Donald Trump, com base na 25ª emenda à Constituição Americana, por incapacidade de governar.

Na última quarta-feira, 6 de janeiro, que, nos Estados Unidos, substituirá 7 de dezembro (data do ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941) como Dia da Infâmia (expressão criada pelo presidente Franklin Delano Roosevelt), o índice Industrial Dow Jones da Bolsa de Valores de Nova York subiu 0,6%, ou 167,71 pontos.

Ou seja, traders, gestores e especuladores os mais diversos não deram a menor pelota para o que acontecia no Capitólio. Havia uma certeza generalizada de que o incidente acabaria sendo contido, embora com muita lerdeza e negligência policial, como foi o caso.

A tática inicial dos republicanos era clara. Em cada Estado no qual Joe Biden venceu Donald Trump com margem estreita, eles exigiriam, nas duas Casas (Câmara e Senado) separadamente, uma apreciação do resultado das urnas.

Isso está previsto na legislação e na prática eleitoral americana, das mais complicadas e anacrônicas do mundo. 

Pois bem, como o processo flui por ordem alfabética, vieram primeiro Alabama e Alasca, com vitórias republicanas. Nenhum dos senadores contestou.
    
Quando chegou a vez do Arizona, onde Biden venceu Trump por apenas 0,30% de diferença (49,36% a 49,06%, ou 1.672.143 a 1.661.686), alguns senadores exigiram uma auditoria no resultado.

Tal como determina o regimento das Casas do Congresso, senadores e representantes se deslocam para seus respectivos plenários, onde têm duas horas para chegar a uma conclusão sobre a legitimidade da contagem.

A atitude de contestação provavelmente prosseguiria quando apreciassem a Georgia (49,47% a 49,24%), a Pensilvânia (50,01% a 48,84%) e Wisconsin (49,45% a 48,82%), todos esses Estados com resultados extremamente apertados.

Seriam pelo menos oito horas de deliberações em separado, fora o tempo das discussões no plenário conjunto.

Nada disso alteraria o desenlace das eleições. Isso porque diversos senadores republicanos não estavam dispostos a participar da artimanha puramente protelatória. 

Se houvesse a menor possibilidade de a votação ser revertida, as bolsas de valores americanas teriam trabalhado o dia todo com enorme volatilidade.

O que acho que ninguém esperava é que os manifestantes trumpistas invadissem o Capitólio e provocassem enorme destruição nos corredores, gabinetes e plenários das Casas, deixando inclusive um saldo de quatro mortos (até o momento, pois ainda há gente gravemente ferida).

Essas coisas impressionam muito as pessoas que assistem aos telejornais, mas não sensibilizam nem um pouco o mercado de ações. 

Os mercadores têm pleno conhecimento de que Joe Biden irá tomar posse no dia 20 de janeiro e que exercerá um mandato normal, sem os sobressaltos da era Trump.

E é isso que lhes interessa.

Em 1º de março de 1954, durante a administração Harry Truman, 4 militantes da independência de Porto Rico subiram até as galerias da Câmara dos Representantes e dispararam contra os deputados lá embaixo, no plenário.

Cinco parlamentares foram atingidos, ficando um gravemente ferido.

Os atiradores foram condenados à prisão perpétua, mais tarde indultados pelo presidente Jimmy Carter, que os enviou para Porto Rico sob a condição de jamais voltarem ao território continental americano.

Nessa ocasião do tiroteio, a Bolsa de Valores de Nova York nem se mexeu.

Por outro lado, se, após tomar posse, o presidente Joe Biden anunciar – e isso é só um exercício de adivinhação – um imposto sobre grandes fortunas (Bernie Sanders vai gostar), as Bolsas levam um tombaço.

Na outra face da moeda, se Biden lançar um pacote de auxílio às empresas e aos desempregados, o mercado americano de ações vai fazer novas máximas de todos os tempos.

Bolsas de valores só se interessam por fundamentos que as afetam, o que não foi o caso da gravíssima baderna da última quarta-feira.

A grande baixa do evento certamente foi Donald Trump, cuja carreira política simplesmente acabou.

Se ele deixou indignados, com algumas exceções, os políticos de seu próprio partido, vai disputar o quê? 

Trump provavelmente vai terminar seus dias na cadeia, tantos foram os crimes que cometeu, e provavelmente falido, já que boa parte de seus negócios  no ramo hoteleiro e em campos de golfe perdeu muito durante a pandemia.

Acontece que Wall Street está pouco se lixando para isso. Não se comoveu nem mesmo com o assassinato de John Kennedy. Por que irá se importar com um paspalho que ensandeceu a Casa Branca durante quatro anos?

Um forte abraço e um ótimo fim de semana.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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