Mercadores da Noite #205 - Quinhentos dólares, por favor!

2 de janeiro de 2021
Texto aprovado na Câmara pode dar início a nova era na economia brasileira ao facilitar transação em dólares nos bancos nacionais. A seguir, mostro a você o que significa para nós.

Caro(a) leitor(a),

“Câmara dos Deputados aprova texto-base de projeto que abre caminho para conta em dólar no Brasil”

Esse é o título de matéria escrita pela jornalista Danielle Brant e publicada na Folha de S. Paulo (jornal e site) na última semana do ano que terminou.

A tramitação está no começo e só prosseguirá em fevereiro de 2021, após o recesso parlamentar e a eleição e posse dos novos integrantes da mesa diretora da Câmara dos Deputados.

Depois disso, alterações no texto ainda serão discutidas e votadas antes de a matéria seguir para o Senado. Lá, se surgirem novas mudanças, o projeto volta para a Casa Baixa para debate e votação definitiva. Então, segue para sanção presidencial.

Como, durante mais de meio século (ou, talvez, desde sempre), o Brasil foi um dos países mais fechados do mundo, para mim, que estou no mercado desde 1958, só a discussão dessa matéria significa uma verdadeira revolução.

Durante anos a fio, comprar e vender dólares aqui foi uma espécie de pecado. Venial, tolerado pelas autoridades, que também o cometiam, mas pecado do mesmo jeito. Uma contravenção aceita pelo governo, tal como acontece com o jogo do bicho.

Só a partir do governo Fernando Henrique Cardoso e, mesmo assim, após um ataque especulativo que quase nos “argentinizou”, o dólar tornou-se flutuante.

Antes, a moeda americana tinha sua cotação fixada pelo governo. Nos anos de inflação galopante e de hiperinflação, as alterações cambiais eram diárias.

Por volta das 17 horas, o Banco Central informava o dólar oficial do dia seguinte. Esse valor servia para importações e exportações e, no caso dos viajantes para o exterior, para compra de até mil dólares, mediante apresentação de passaporte e da passagem aérea.

O que faziam os importadores?

Superfaturavam o preço de seus produtos e mantinham o valor em excesso em contas localizadas em paraísos fiscais.

Já os exportadores, estes subfaturavam. Negociavam por menos, e a diferença era paga nessas contas, que tinham nomes-fantasia. 

Os turistas brasileiros que pretendiam gastar mais de mil dólares em suas viagens simplesmente compravam o saldo em um doleiro, figura tão corriqueira como os contrabandistas de uísque e cigarro.

Todo mundo tinha seu doleiro e seu muambeiro de confiança. Do contrário, a alternativa era beber uísque nacional. Batatas fritas Pringles, que hoje em dia são vendidas até nos semáforos, só nos free shops dos aeroportos.

A farsa começou a diminuir no governo Fernando Collor, que abriu o país à importação de vários itens até então proibidos, inclusive automóveis.

O toque final veio na administração FHC.

Antes disso, em 1983, por exemplo, quando o general João Baptista Figueiredo era presidente, precisei levar meu filho do meio para ser submetido a uma operação no cérebro, em Toronto, no Canadá, felizmente coroada de sucesso.

Só que, para adquirir os dólares necessários para o tratamento, pelo câmbio oficial, tive de entrar com um processo no Banco Central. Precisei juntar o atestado de uma junta médica afirmando a impossibilidade de aquele procedimento cirúrgico ser realizado no Brasil.

Na ocasião, recebi os dólares em dinheiro vivo e levei numa cinta sob a cueca, hábito que, como todo mundo sabe, é mais próprio de parlamentares e políticos em geral.

Agora, tudo indica, a gente vai poder ter conta em dólares nos bancos brasileiros.

Poderemos chegar no caixa e pedir:

“Quero sacar quinhentos dólares, por favor! Trezentos em notas de cem e o resto em miúdos.”

Espero... espero, não, acho... acho, não, tenho certeza de que isso é apenas o começo de uma abertura cambial que não terá volta.

Valorizará o real, tornando-o mais respeitável. Pois, caso fraqueje, as pessoas converterão suas contas para dólares, as quais espero que não tenham valores limitados.

Melhor dizendo, que marquem o início de uma nova era.

Imagine você, caro(a) leitor(a), pegar o celular e, simplesmente teclando, comprar 20 contratos futuros de Soja Março na CboT em Chicago.

A margem inicial dessa operação será debitada automaticamente em sua conta dolarizada no banco daqui. 

Será um grande encurtamento de fronteiras.

Um ótimo fim de semana e um feliz 2021 para você.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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