Caro(a) leitor(a),
“Câmara dos Deputados aprova texto-base de projeto que abre caminho para conta em dólar no Brasil”
Esse é o título de matéria escrita pela jornalista Danielle Brant e publicada na Folha de S. Paulo (jornal e site) na última semana do ano que terminou.
A tramitação está no começo e só prosseguirá em fevereiro de 2021, após o recesso parlamentar e a eleição e posse dos novos integrantes da mesa diretora da Câmara dos Deputados.
Depois disso, alterações no texto ainda serão discutidas e votadas antes de a matéria seguir para o Senado. Lá, se surgirem novas mudanças, o projeto volta para a Casa Baixa para debate e votação definitiva. Então, segue para sanção presidencial.
Como, durante mais de meio século (ou, talvez, desde sempre), o Brasil foi um dos países mais fechados do mundo, para mim, que estou no mercado desde 1958, só a discussão dessa matéria significa uma verdadeira revolução.
Durante anos a fio, comprar e vender dólares aqui foi uma espécie de pecado. Venial, tolerado pelas autoridades, que também o cometiam, mas pecado do mesmo jeito. Uma contravenção aceita pelo governo, tal como acontece com o jogo do bicho.
Só a partir do governo Fernando Henrique Cardoso e, mesmo assim, após um ataque especulativo que quase nos “argentinizou”, o dólar tornou-se flutuante.
Antes, a moeda americana tinha sua cotação fixada pelo governo. Nos anos de inflação galopante e de hiperinflação, as alterações cambiais eram diárias.
Por volta das 17 horas, o Banco Central informava o dólar oficial do dia seguinte. Esse valor servia para importações e exportações e, no caso dos viajantes para o exterior, para compra de até mil dólares, mediante apresentação de passaporte e da passagem aérea.
O que faziam os importadores?
Superfaturavam o preço de seus produtos e mantinham o valor em excesso em contas localizadas em paraísos fiscais.
Já os exportadores, estes subfaturavam. Negociavam por menos, e a diferença era paga nessas contas, que tinham nomes-fantasia.
Os turistas brasileiros que pretendiam gastar mais de mil dólares em suas viagens simplesmente compravam o saldo em um doleiro, figura tão corriqueira como os contrabandistas de uísque e cigarro.
Todo mundo tinha seu doleiro e seu muambeiro de confiança. Do contrário, a alternativa era beber uísque nacional. Batatas fritas Pringles, que hoje em dia são vendidas até nos semáforos, só nos free shops dos aeroportos.
A farsa começou a diminuir no governo Fernando Collor, que abriu o país à importação de vários itens até então proibidos, inclusive automóveis.
O toque final veio na administração FHC.
Antes disso, em 1983, por exemplo, quando o general João Baptista Figueiredo era presidente, precisei levar meu filho do meio para ser submetido a uma operação no cérebro, em Toronto, no Canadá, felizmente coroada de sucesso.
Só que, para adquirir os dólares necessários para o tratamento, pelo câmbio oficial, tive de entrar com um processo no Banco Central. Precisei juntar o atestado de uma junta médica afirmando a impossibilidade de aquele procedimento cirúrgico ser realizado no Brasil.
Na ocasião, recebi os dólares em dinheiro vivo e levei numa cinta sob a cueca, hábito que, como todo mundo sabe, é mais próprio de parlamentares e políticos em geral.
Agora, tudo indica, a gente vai poder ter conta em dólares nos bancos brasileiros.
Poderemos chegar no caixa e pedir:
“Quero sacar quinhentos dólares, por favor! Trezentos em notas de cem e o resto em miúdos.”
Espero... espero, não, acho... acho, não, tenho certeza de que isso é apenas o começo de uma abertura cambial que não terá volta.
Valorizará o real, tornando-o mais respeitável. Pois, caso fraqueje, as pessoas converterão suas contas para dólares, as quais espero que não tenham valores limitados.
Melhor dizendo, que marquem o início de uma nova era.
Imagine você, caro(a) leitor(a), pegar o celular e, simplesmente teclando, comprar 20 contratos futuros de Soja Março na CboT em Chicago.
A margem inicial dessa operação será debitada automaticamente em sua conta dolarizada no banco daqui.
Será um grande encurtamento de fronteiras.
Um ótimo fim de semana e um feliz 2021 para você.
Ivan Sant’Anna