Mercadores da Noite #19 - O mercado tem bola de cristal

6 de setembro de 2017
Otimista com Brasil?

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Até o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), o Brasil era um país primordialmente agrícola. Para ser mais preciso, primordialmente cafeeiro. Quem viveu naquela época, como é o meu caso, se lembra do Repórter Esso. Principal noticiário radiofônico brasileiro, se autodenominava “testemunha ocular da História”. Através da voz impressiva do locutor Heron Domingues, sempre começava com a cotação da libra-peso do café em Nova York.

Veio JK e, durante sua administração, cumpriu integralmente o slogan de campanha: “Cinquenta anos em Cinco”. O Brasil se industrializou, estradas foram construídas e houve um enorme avanço na economia. A indústria automobilística foi implantada, assim como hidrelétricas e usinas siderúrgicas. Só que os brasileiros pagaram um preço caro por isso. Refiro-me à inflação, que iria durar quase 40 anos.

Se não tivéssemos tido o golpe militar de 1964, muito provavelmente as eleições presidenciais de 1965 teriam sido disputadas por Juscelino, Carlos Lacerda e Leonel Brizola. Este ultimo, se conseguisse resolver um impasse constitucional, já que era cunhado do presidente em exercício, João Goulart, e a Carta proibia sua candidatura por isso. Aliás, o mote de campanha de Brizola era “Cunhado não é parente, Brizola pra presidente”.

Acredito que JK ganharia fácil. Era extremamente popular e tinha um índice baixo de rejeição. E seu slogan daquela vez era “Cinquenta anos de agricultura”, talvez um reconhecimento de que o setor fora descuidado durante seu governo desenvolvimentista.

Nós que moramos no Rio de Janeiro vivemos, atualmente, num cenário tão ruim que ficamos com a ideia de que o Brasil está se esfacelando. Aqui, restaurantes com mais de 100 anos de idade estão fechando as portas, nos shoppings incontáveis lojas estão desocupadas, é perigoso sair à rua à noite, a cidade é uma penúria só.

Os Jogos Olímpicos de 2016 deram uma falsa impressão de que o Rio tinha se erguido. Mas, repito, foi falsa, muito falsa. As instalações esportivas foram abandonadas, os hotéis da Barra da Tijuca (onde eu moro) estão com 8 por cento de ocupação. Nem mesmo aquelas mudas que os atletas plantaram na cerimônia de abertura dos Jogos foram aproveitadas. Estão morrendo. Aquela futura floresta, que comoveu tanta gente, jamais irá existir.

Na semana passada eu tive uma injeção de ânimo. Só que para isso precisei viajar 800 quilômetros até o município de São Joaquim da Barra (SP), ao norte de Ribeirão Preto. Fiz uma palestra na 10ª Feira do Livro da cidade, sob o patrocínio da Alta Mogiana, uma usina de açúcar e etanol, além de produtora de energia elétrica. Lá (tanto na cidade como no complexo industrial da usina) revivi o Brasil que dá certo.

No perímetro urbano de São Joaquim não há favelas, não há mendigos, muito menos assaltantes à espreita. A cidade vive um momento de pleno emprego.

Já a usina é algo futurista. Seus galpões são tão extensos que a gente precisou percorrê-los de carro. O ponto alto para mim foi a visita à sala de controle. Todo o processo industrial é monitorado por umas quinze pessoas, e uma infinidade de monitores, tudo naquela sala.

“Vou passar para você cinco toneladas de calda”, disse um operador para o colega ao lado. Apertou alguns botões, algumas luzes se acenderam, outras se apagaram, outras mudaram de cor e lá se foi a calda.

Tudo bem, São Joaquim da Barra e a Alta Mogiana poderiam ser exceções que confirmam a regra (de que o Brasil está quebrado). Só que não é o caso. A exceção é esta cidade do Rio, que de recorde só tem o maior ladrão da história do país (e a competição aqui não é fácil; pra ganhar medalha de ouro, de ladroagem, o cara tem de ser fera).

Quando, no primeiro trimestre de 2001, percorri, a bordo de uma carreta Scania, os estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre, pesquisando para o meu livro Carga Perigosa, só vi prosperidade.

Você, caro amigo leitor, já ouviu falar de Primavera do Leste, de Sapezal, de Campos de Júlio, de Sorriso? Pois dê uma olhada no Google. São lugares de alto padrão de vida, bom ensino público assim como de centros culturais e esportivos para uso da população.

Anos mais tarde, pesquisando para Herança de sangue, estive no sul de Goiás. Rio Verde e Catalão, por exemplo, são cidades onde simplesmente não existe miséria.

Essa abastança pode ser vista em grande parte do interior do Brasil. É ela que vai tirar o País do buraco, por mais que os colarinhos brancos de Brasília queiram saqueá-lo.

Justiça seja feita. O governo teve uma participação nessa abundância. Estou me referindo à Embrapa, que fez uma revolução no campo brasileiro, quem sabe maior do que aquela que Juscelino pretendia fazer entre 1966 e 1971.

Por esses e outros motivos, estou bullish com o Brasil. Em minha opinião estamos iniciando um novo ciclo virtuoso.

Abrangente ou tímida, a reforma da Previdência vai acabar saindo. Mesmo que em etapas. Mesmo que aos trancos e barrancos. Simplesmente porque o dinheiro acabou.

Surtos nacionalistas e xenófobos sumiram do mapa. Seus líderes estão mais preocupados em se livrar da cadeia do que em agitar as massas. As privatizações estão a caminho, algumas até meio na moita.

Com as taxas de juros em baixa, com o Estado começando (timidamente) a se enxugar, com as esquerdas na defensiva, esse conjunto de fundamentos muito possivelmente vai alçar o Ibovespa a novos highs.

Se alguns leitores acham que estou sendo otimista demais, lembro que a Bolsa sempre antecipa os fatos. Assim foi entre 1968 e 1971, antes do milagre econômico da primeira metade dos anos 1970. Assim foi durante a crise cambial de 1998/1999, quando a Bolsa anteviu um novo ciclo de prosperidade, que se materializou com o controle das contas públicas e com o boom das commodities.

Quando a Previdência for reformada, o Tesouro voltar a apresentar superávits primários e um progressista (na acepção correta do termo) estiver ocupando o Palácio do Planalto a Bolsa já estará lá em cima.

O mercado financeiro tem bola de cristal.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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