Mercadores da Noite #18 - O mercado de ações é dos touros

30 de agosto de 2017
Estou falando de privatizações

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Você não gosta do Michel Temer? Grande (des)vantagem! Mais de noventa por cento dos brasileiros não gostam também. Você acha que ele se cerca de picaretas no Planalto? Pois saiba que não está sozinho em sua posição. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário também acham.

Como o país está sendo dirigido por pessoas nas quais você não confia, o melhor a fazer é vender todas as suas ações, já que falta lisura aos principais líderes políticos. Certo?

Errado!

Ao investir em ações a única coisa que você deve avaliar é se elas vão se valorizar no curto e médio prazo de modo que o retorno supere o dos demais investimentos.

No longo prazo é impossível fazer isso, pois teremos eleições presidenciais e legislativas no ano que vem. E sabe-se lá quem serão os eleitos (o retrospecto dos votantes é péssimo). Então vamos imaginar um período previsível entre os dias atuais e o momento em que as eleições monopolizarão o noticiário. E durante esse tempo, de aproximadamente nove meses, os fatos poderão ser bastante alvissareiros.

Estou falando de privatização.

Ao assumir o cargo de primeiro-ministro da Espanha, em 1982, o socialista Felipe Gonzáles declarou que privatização não era uma medida de esquerda nem de direita. Era simplesmente privatização. O Estado tinha de vender ativos, pois não tinha capital suficiente para geri-los.

Aqui não há capital nem gente pois, há anos, o governo federal vem loteando as diretorias das estatais entre os políticos que o apoiam. Se o cara do Alto Madeira tem 20 votos na Câmara dos Deputados, ele faz (ou pelo menos fazia até pouco tempo) jus à diretoria da Petrobras que fura poços (na imortal definição do infausto ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti) ou um cargo de gestor do Postalis, mesmo sem saber a diferença entre um CDB ou uma debênture conversível em ações.

Para citar uma expressão cara a outro desditoso homem público, “nunca antes nesse (ele não sabia falar “neste”) país” houve um privatista tão audacioso quanto Michel Temer. Por isso acho que o mercado deve ficar bullish a respeito da bolsa.

Vamos aos fatos irrefutáveis.

Nenhum presidente de República foi tão estatizante quanto o general Ernesto Geisel. Para ser justo, ele não estatizou empresas. Mas criou mais de 400. Sim, quatrocentas. Bastava alguém sugerir uma ideia e surgia uma estatal. Triste exemplo foi a Ferrovia do Aço, obra megalômana lançada por Geisel em 1974 e que jamais foi concluída. Viadutos gigantescos e túneis extensos estão até hoje plantados no trajeto da ferrovia, monumentos de concreto e rocha perfurada ao Brasil que não deu certo.

As privatizações começaram com Collor, que falou muito e privatizou pouco. Vendeu algumas centenas de imóveis e carros oficiais, fez muito estardalhaço e ficou por isso mesmo.

O socialista Fernando Henrique Cardoso tinha o mesmo pensamento do espanhol Gonzáles e partiu para a ação. Só que, naquela época, cada privatização era um parto.Na primeira delas, a da Usiminas, operadores da bolsa de valores do Rio de Janeiro, local do leilão, e candidatos à compra da empresa foram vaiados, cuspidos e chutados na entrada do prédio, mas o negócio saiu. 

A Vale do Rio Doce foi incluída na lista por ser eficiente (exportadora de minério de ferro tem de ter produtividade, caso contrário não exporta por falta de custo de produção competitivo). Depois de várias marchas e contramarchas em tribunais do país, o negócio saiu. E a Vale, em pouco tempo, passou a recolher muito mais em impostos ao governo federal do que lhe pagava em dividendos.

No processo de privatização das telefônicas houve irregularidades, como influência do BNDES no resultado, mas o negócio foi feito. Hoje o país tem mais linhas telefônicas (entre fixas e celulares) do que habitantes.
Nos trezes anos de governo PT, o processo gorou. Pior do que isso. As estatais foram estupradas.

Veio então Temer, muito bem assessorado por Henrique Meirelles, que deduziu o óbvio: era privatizar ou privatizar. Era ser o presidente impopular de um país quebrado ou o presidente impopular de um país que está mudando de rumo, mesmo porque não tem outra alternativa. O ambicioso processo de privatização anunciado há poucos dias vai mudar o Brasil. Tudo leva a crer que Eletrobras, portos, aeroportos, ferrovias, hidrovias, etc, serão leiloados. Como nos países ricos o retorno dos investimentos está próximo de zero (quando não negativo) tudo indica que vai chover dólares aqui.

Enquanto isso, fatias da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal estão, meio que na moita, passando para as mãos do público.
O bom dessa história é que não há, como teria acontecido alguns anos atrás, hordas de bandeiras vermelhas marchando nas ruas nem passeatas monstros dos funcionários das estatais a serem vendidas.

Não por mérito de ninguém, muito menos por ideologia: o Brasil será privatizado porque o Estado quebrou. Quebrou porque foi dilapidado pelos políticos que nós elegemos. Agora cada um deles está mais preocupado em se livrar da cadeia do que lutar por ideias que na verdade nunca tiveram. 

O Brasil não tem nenhum movimento separatista, não há ódio religioso. A semelhança de um cidadão do Amapá com um gaúcho é maior do que em qualquer outro país com as nossas dimensões continentais.

Vale a pena comprar ações de empresas brasileiras. Bem ou mal o problema da Previdência terá de ser resolvido, pois o sistema atual é irresolúvel atuariamente. Pode ser que isso aconteça em duas ou três etapas. Mas vai acontecer.

No mercado de ações não se ganha dinheiro apostando no que aconteceu, nem mesmo no que está acontecendo, mas naquilo que a lógica diz que não poderá deixar de acontecer.

Aqui tem ladroagem demais, a criminalidade exibe índices subsaarianos e o povo vota mal, para dizer o mínimo. Mas tudo isso está embutido nos preços. O que não está embutido é um governo mais enxuto, cobrando alíquotas menores de impostos. E é isso que eu vejo num futuro não tão longínquo assim.

O mercado de ações, acreditem, é dos touros.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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