Mercadores da Noite #154 - Uma grande roda de pôquer

30 de janeiro de 2020
Se há uma coisa que sempre prosperou no Brasil (ainda bem que as coisas agora estão mudando), foi a pilantragem.

 

Caro leitor,

Quando, no dia 2 de setembro de 1945, a bordo do encouraçado Missouri, autoridades japonesas se renderam aos americanos, pondo fim à Segunda Guerra Mundial, o arquipélago nipônico estava completamente destroçado. Seu parque industrial fora destruído, assim como suas frotas naval, mercante e pesqueira.
  
As cidades haviam se transformado em um amontoado de ruínas, com destaques para Hiroxima e Nagasaki, evaporadas por bombas atômicas. A própria capital, Tóquio, fora reduzida a pó e cinzas por bombas de napalm lançadas por centenas de superfortalezas voadoras B-29 da United States Air Force.
  
Ao assumir o comando supremo da nação derrotada, o general americano Douglas MacArthur decidiu iniciar imediatamente a reconstrução. Convocou os dirigentes das grandes empresas, obviamente falidas, e perguntou: “De quanto vocês precisam para reedificar suas fábricas, usinas e estaleiros?”.
  
Algumas semanas mais tarde, eles passaram o valor, US$ 1,9 bilhão, equivalente hoje a US$ 25,6 bilhões, que lhes foi providenciado por bancos privados e instituições governamentais americanas.
  
MacArthur não queria apenas fazer o país renascer. Desejava democratizar a terra e o capital. Implantou vasta reforma agrária e estimulou a abertura de capital das grandes empresas.
  
Se você der a um japonês cinco ienes, ele economiza no mínimo um. Desse modo, as IPOs do Japão daquela época foram pulverizadas entre a população, já que não havia investidores de grande porte. As ações eram vendidas, não raro em “lotes” de apenas uma, em postos de gasolina e outros pequenos estabelecimentos comerciais. Quem comprou, fez a pechincha do século.
  
O Império do Sol Nascente é, até hoje, um país de acionistas.
 

*** 

 
No final dos anos 1960, o mercado brasileiro de ações era não mais do que uma grande roda de pôquer. Havia poucas empresas negociadas nas bolsas de valores e, com exceção dos jogadores envolvidos, o público em geral não tinha nenhuma participação.
  
Mirando-se nos mercados dos Estados Unidos e do Japão, e querendo implementar um capitalismo democrático no Brasil, com a classe média participando do capital das empresas, o governo Castello Branco, nas pessoas dos ministros Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos, teve uma ideia engenhosa.
  
No dia 10 de fevereiro de 1967 foi assinado o decreto-lei 157, através do qual os contribuintes do imposto de renda podiam deduzir 10% do imposto a pagar para adquirir cotas dos fundos 157, criados pelo mesmo decreto. O dinheiro seria totalmente aplicado em ações.
  
Tal como no Japão 22 anos antes, estabelecia-se um amplo e democrático mercado acionário no Brasil. Certo?
  
Errado!
  
O jogo foi desvirtuado desde o primeiro dia em que o dinheiro começou a fluir para os fundos 157 e, deles, para as bolsas de valores. Os bancos se locupletaram. Compra ou venda boa era deles. Compra ou venda ruim ficava para os fundos.
  
“Ih, cara, comprei Vale a oito cruzeiros e fechou a 7,80”, choramingava um “gestor”.
  
“Joga no 157”, um colega resolvia a parada.
  
Sempre comprando caro e vendendo barato, os 157 não faziam outra coisa a não ser dar prejuízo.
  
De qualquer modo, os recursos entravam no mercado. Seja para beneficiar os administradores de fundos, seja para tosquiar os cotistas inocentes, o dinheiro jorrava na bolsa. Iniciou-se um tremendo bull market de ações que só foi terminar em julho de 1971.
  
Se há uma coisa que sempre prosperou no Brasil (ainda bem que as coisas agora estão mudando), foi a pilantragem. E daquela vez não foi diferente. Pilantragem, molecagem e esbórnia. Vejamos alguns exemplos:
  
Cromagem Tarumã era uma empresa de fundo de quintal, se não me engano “sediada” em Porto Alegre. Pois bem, fizeram uma IPO. Só a turma do grande pôquer conseguiu o papel pelo preço de lançamento. E só a turma do grande pôquer ganhou os mais de 100% de alta do primeiro dia. E só a turma do grande pôquer surfou na alta que se seguiu. 
  
Quando o mercado começou a cair (os rumores do “fundo de quintal” chegaram ao pregão), adivinhem: foi tudo para os 157.
  
Fala-se muito em Merposa (Merda em Pó S.A.). Mas alguns não sabem que Merposa existiu mesmo. Que não se trata de uma lenda. A “empresa” foi lançada, sem IPO e sem nada, no pregão da bolsa de valores de Minas Gerais, ideia de um gaiato que queria se divertir um pouco. Como era comum na ocasião, todo mundo aderiu:
  
“Merposa, compro! Merposa, compro mais”. Compro a 20, compro a 21, compro a 22. E a Merposa se imortalizou. É só vasculhar o arquivo morto da extinta bolsa de BH que o “papel” (bom nome, sugestivo) está lá. Ou nas páginas do Estado de Minas do dia seguinte, cujo exemplar deve estar em alguma biblioteca. O engraçadinho que inventou a Merposa só não foi parar nos porões da ditadura porque os militares de plantão não queriam um escândalo envolvendo o mercado de ações.
  
Nem os fundos 157 puderam comprar a Merposa. E isso é o cúmulo da desonra. Nem os 157...
  
O mercado de ações só não acabou no Brasil naquela época porque, na cola do episódio dos 157, vieram os fundos de pensão das estatais, para onde fluíram novos recursos. E, convenhamos, nessas últimas décadas esses fundos não foram nenhum modelo de probidade. Que o digam os funcionários dos Correios e de outras empresas governamentais.
  
Nós não tivemos bombardeios de napalm, muito menos artefatos nucleares. Mas não faltou pouca vergonha, escassez moral que atrasou em meio século a implementação de um mercado de ações que atraísse a classe média para valer.
  
Só agora, com os mercados eletrônicos, com o advento da internet, e com os home traders, é possível um pequeno investidor entrar na grande roda sem ser depenado.
  
De qualquer modo, estimado leitor, se um dia você for remexer nas gavetas de seu falecido avô, não se entusiasme muito ao encontrar certificados de compra de ações do fundo 157 do banco... vamos chamá-lo de Amalgamated National Bank. Bem, o certificado é papel. E para papel sempre há uma utilidade, num momento de aflitiva precisão.

Antes de ir, quero chamar a sua atenção a uma oportunidade inédita aqui na Inversa. Inclusive a própria CEO, Olivia Alonso, já falou que vai investir uma pequena parte de seu próprio dinheiro nisso! Por isso, eu sugiro que você garanta aqui uma das vagas o mais rápido possível. Pode ser a jogada do ano.

Um abraço,

Ivan Sant'Anna

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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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