Caro leitor,
Nos últimos meses, alguns traders estão se queixando de que os dólares não só não estão entrando na Bolsa, como estão até indo embora para suas origens. Os analistas falam ou escrevem isso em tom de lamento, como se tivessem se referindo a uma injustiça.
De minha parte, considero um ótimo sinal. Se mesmo com capitais especulativos migratórios voando para outras paragens a B3 atravessa forte e consistente movimento de alta, significa que os investidores brasileiros estão trocando a magra renda fixa pela variável.
Quando, e se, o dinheiro externo voltar, acreditando que a virada liberal brasileira deu certo, teremos uma nova perna da alta. Mas mesmo que eles se retraiam, o capital dos brasileiros está impulsionando o mercado, coisa que, por sinal, testemunhei durante anos.
No bull market de 1969/1971, não havia um dólar sequer entrando na Bolsa. Era grana daqui sendo aplicada aqui. Naquela época, a gente nem acompanhava o Dow Jones, muito menos dados estatísticos americanos como unemployment, trade balance, housing starts, building permits, etc.
Só quase um quarto de século mais tarde, após a implantação do Plano Real, é que testemunhei dinheiro externo entrando em nosso mercado para valer. E mesmo assim sem ter nada a ver com a Bolsa de Valores. Para se aproveitar do enorme diferencial de taxas de juros entre a Grã-Bretanha e o Brasil, um banco londrino se associou a um daqui. Ambos compraram uma financeira.
A operação que fizeram era simples e de pouco risco. Os ingleses captavam dinheiro, em libras, na City, a 7% ao ano (taxa daquela ocasião) e emprestavam aqui, em reais, a 20% ao mês, através de crédito direto ao consumidor.
Agora, os consumidores brasileiros de baixa renda, de tanto levar pancada no lombo, estão aprendendo a ser espertos, ou menos ingênuos. Mas, naqueles tempos, quando compravam, por exemplo, um fogãozinho de quatro bocas, queriam saber apenas qual era a prestação mensal e se isso cabia em seu parco orçamento. Ninguém calculava os juros nem o preço final do utensílio.
O Banco Central do Brasil trabalhava com bandas cambiais ligeiramente ascendentes. A inflação brasileira de 1996 foi de 9,56%. Então, captar dinheiro em moeda forte para emprestá-lo em outra que se fortalecia, era um negócio de baixo risco e potencial gigantesco, já que 20% ao mês significa 791% ao ano.
Alavancando seu capital, em pouco tempo a financeira anglo-brasileira lucrou um bilhão de libras. Ao contrário de agora, era o Brasil das grandes oportunidades no mercado de renda fixa. Para os aplicadores, bem entendido, e não para os tomadores.
Como qualquer outra atividade exercida pelo homem, o mercado financeiro vive de modismos. Veio então a vez dos emergentes, entre os quais, é claro, o Brasil.
Embora boa parte do dinheiro que aportava por aqui se destinasse à compra de títulos do Tesouro brasileiro, para se valer do enorme spread de taxas, algum dinheiro gringo começou a entrar na Bolsa.
Logo se criou uma casta superior de emergentes. Refiro-me aos BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South África). Os grandes gestores internacionais passaram não só a comprar ações de empresas desses cinco países como também a participar de IPOs.
Se o caro amigo leitor acha estranho existir um bloco tão díspar geográfica e economicamente, o mercado não pensava assim.
Do início do governo Lula, quando Antonio Palocci manteve as finanças em ordem, seguindo os passos de Pedro Malan e Armínio Fraga da administração FHC, até o surgimento da crise do subprime, o Brasil deitou e rolou.
As IPOs daqui, algumas tão esdrúxulas como a da OGX, foram integralmente vendidas, com ágio, rateio e tudo. Pouca gente percebeu que se tratava apenas da expectativa da esperança de uma promessa.
A crise imobiliária americana, aquela que o Lula chamou de marolinha, causou sérios estragos, como a quebra do banco Lehman Brothers e a estatização de várias empresas nos Estados Unidos. Mas acabou.
Só que o Brasil nunca mais voltou aos bons tempos. Pudera, além da gatunagem que grassava na Petrobras e em outras estatais, tivemos Guido Mantega, que, aboletado na Fazenda, arrecadava para o PT, o Alexandre Tombini, na presidência do Banco Central, que seguia as ordens de Dilma Rousseff e, principalmente a Dilma, que desgraçadamente tinha um diploma em Economia e achava que entendia de finanças. Perdeu-se uma década, tal como acontecera nos tristes anos 1980.
Agora, quem aplica na Bolsa brasileira são os brasileiros. Considerando-se que ela se encontra em um formidável bull market apenas com dinheiro daqui e juntando-se a isso as reformas estruturais que estão sendo feitas no país, vai acabar atraindo capital de volta.
A irrupção de uma crise no lado oeste das Tordesilhas atrapalha, assim como atrapalham os desacertos de nossa política externa. No final, irá preponderar o primeiro mandamento, ops, fundamento: taxas de juros próximas de zero. Isso dará suporte à Bolsa.
Por fim, tal como aconteceu com o banco inglês que descobriu que tirar dinheiro da City para financiar fogões no Brasil era um ótimo negócio, a lógica irá prevalecer. Os dólares que saíram vão voltar. Eles também estão com problemas de remuneração de capital, fenômeno esse que parece abranger todo o planeta.
Com calma, caro amigo leitor, e se aproveitando dos dips, vá montando a sua carteira de ações, não se esquecendo das IPOs. Algumas poderão ser muito atraentes.
Não é apenas questão de uma boa opção de investimento. Trata-se da única opção.
Se você tiver críticas, elogios, sugestões ou perguntas ao autor desta newsletter, envie um e-mail para mercadores@inversa.com.br.