Mercadores da Noite #140 - Tordesilhas, 2019

26 de outubro de 2019
Nunca fomos tão pouco latino-americanos como agora. Como não vejo nenhum protesto nas ruas, nem oposição de peso no Congresso, Brasil voltou a ser o Brasil da parte leste das Tordesilhas, com identidade própria.

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Caro leitor,

Logo após a viagem de Cristóvão Colombo, o reino de Portugal e a Coroa de Castela (Espanha) assinaram um tratado no povoado de Tordesilhas, dividindo terras a serem descobertas pelos dois países ao sul das encontradas por Colombo.

Foi um tiro no escuro. A linha demarcatória era o meridiano situado 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Como nenhum dos reinos sabia o que poderiam encontrar na região, se é que encontrariam alguma coisa, sempre havia a possibilidade de um ficar com tudo que houvesse e o outro com nada.

Encontrado o continente que mais tarde levaria o nome de América do Sul, e feitas as medições cartográficas, eis que a Espanha pegou um naco de território maior, a oeste, do que o de Portugal, a leste.

Ao longo dos séculos seguintes, a parte portuguesa, a qual se deu o nome de Brasil, andou pulando a cerca para o outro lado, se valendo principalmente de que, enquanto a banda espanhola se fracionou em diversas nações, os portugueses mantiveram uma só colônia, mais tarde país soberano.

Valendo-se de expedientes os mais diversos (expedições de bandeirantes e compra do Acre, da Bolívia, por exemplo), o Brasil abocanhou boa parte da porção oeste.

Embora exista uma grande diferença cultural, étnica e linguística entre as duas porções, muitos estrangeiros enxergam a América do Sul, e mesmo toda a América Latina, como se fosse uma coisa só.

“Last Summer we went to South America (no último verão estivemos na América do Sul)”, diz um casal inglês para alguns amigos, como se estar em Machu Picchu fosse o mesmo que ir para uma praia do Nordeste.

“I think it’s time to invest in Latin America (acho que é hora de investir na América Latina)”, comenta o gestor de um grande fundo americano.

Houve uma época em que os dois lados (cucarachas e tupiniquins) se pareceram. Refiro-me ao período das ditaduras militares que, mais ou menos na mesma ocasião, prevaleceram no Brasil, no Uruguai, na Argentina e no Chile. Esses quatro países intercambiaram informações e entregaram prisioneiros políticos uns aos outros.

Também se assemelharam quando os regimes militares caíram por terra, nenhum deles, por sinal, derrubado por lutas armadas.

Numa terceira oportunidade, vieram os então chamados regimes bolivarianos, da Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina dos Kirchners e o Brasil, que não se autodenominava assim, mas dava moleza para todos os outros, através de empréstimos do BNDES. Portanto era parceiro, o mais importante.

Esse período de “camaradagem”, seja o dos militares, seja o das esquerdas, entre o Brasil e seus vizinhos por fim terminou.

Nunca fomos tão pouco latino-americanos como agora. Como não vejo nenhum protesto nas ruas, nem oposição de peso no Congresso, acho que o Brasil voltou a ser o Brasil da parte leste das Tordesilhas, com identidade própria.

No Chile, um simples aumento de 3,75% nas passagens de metrô degenerou em baderna que resultou na destruição de estações, saques a supermercados e confrontos com a polícia.

Além de recuar na elevação do preço dos bilhetes, o governo de direita do presidente Sebastián Piñera decretou toque de recolher nas principais cidades, o que não impediu a ocorrência de 15 mortes até agora.

O sistema previdenciário de capitalização do Chile está à beira da falência, com a maioria dos aposentados recebendo entre 30% e 40% do salário mínimo.

O povo chileno é chegado a um distúrbio. Apenas três horas após o terremoto e o tsunami de 2010, a população já invadia e saqueava os supermercados.

Como exportador de petróleo, o Equador pertence à Opep. Por tradição, lá os combustíveis são vendidos à população a preços inferiores ao do mercado internacional.

Bastou que o presidente Lenín Moreno reduzisse o subsídio para que o povo saísse as ruas, revoltado, armado de paus e pedras. Mesmo tendo recuado no aumento, Moreno teve de transferir a capital de Quito para Guayaquil para fugir da turba amotinada.

Na Colômbia, alguns integrantes das Farcs, grupo guerrilheiro que havia assinado um acordo de paz com o governo, estão voltando à luta armada e se reagrupando na selva. 

No Peru, o presidente Martín Vizcarra dissolveu o Congresso. Só que os legisladores rebateram decretando o impeachment de Vizcarra.

O México não é sul-americano, mas tem o espírito do oeste das Tordesilhas. Lá, aconteceu o impensável. Após a polícia prender o filho do traficante El Chapo, este encarcerado nos Estados Unidos, a bandidagem respondeu com tal violência que o governo cedeu, soltando o preso.

No Brasil, embora sejamos um país violento, tiradas as vaias e os xingamentos nas redes sociais, não existe nenhuma contestação selvagem contra o presidente da República, o Congresso Nacional e o Supremo – isso numa época de imposição de enormes sacrifícios à população, muito maiores do que um simples aumento do metrô e da gasolina.

O lado de cá das Tordesilhas está começando a dar pequenos sinais de recuperação da economia. As taxas de juros e a inflação são as menores de todos os tempos. Nossas reservas cambiais se aproximam de US$ 400 bilhões.

Parece que já saímos do fundo do poço e estamos iniciando uma trajetória de crescimento sustentável. Minha impressão é de que os brasileiros, em grande parte, já perceberam isso.

Só falta os gringos traçarem sua Tordesilhas e começarem a investir aqui. Poucas vezes as condições, principalmente o preço dos ativos, estiveram tão favoráveis.

Um abraço,Ivan Sant'Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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