Mercadores da Noite #138 - Partidos sem partidários

12 de outubro de 2019
Ameaça de saída de Jair Bolsonaro do PSL não deve fazer diferença para o mercado. Brasileiro vota em gente, não em partidos.

Caro leitor,

Nos últimos dias, Jair Bolsonaro vem ameaçando sair do PSL, sigla pela qual disputou, e venceu, as eleições do ano passado. Por sua vez, alguns dirigentes do partido têm falado na expulsão do presidente. Tudo isso é gulodice por quinhões de verba pública nas eleições municipais do ano que vem, já que agora é o contribuinte que financia as campanhas.

Para efeito do que interessa nesta coluna, Bolsas e mercados, não faz a menor diferença. Brasileiro não vota em partido. Vota em gente. E essa gente, para ser votada, precisa se inscrever em uma agremiação política registrada no TSE.

Quando, no dia 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas renunciou à presidência (já estava lá havia 15 anos), para não ser deposto pelos militares, eleições foram convocadas para 34 dias mais tarde, mais precisamente em 2 de dezembro.

E quem venceu?

Getúlio.

Mas como, Getúlio?”¸ pode estar perguntando o leitor “Ele não acabara de ser deposto?”

Na verdade, explico, não foi propriamente Getúlio. O eleito foi o general Eurico Gaspar Dutra, em quem Getúlio Vargas, de sua estância em São Borja, RS, mandara o povão votar. E se mandasse votar na Dilma Rousseff, que nem havia nascido, o povo votaria. E se Dutra fosse registrado no PSL, que só surgiria meio século mais tarde, votaria também.

Com raras exceções, no Brasil as pessoas não têm partido. Não há democratas contra republicanos, tal como nos Estados Unidos. Nem conservadores contra trabalhistas, que nem na Grã-Bretanha. Nem peronistas contra peronistas, caso curioso dos hermanos argentinos.

Voltando a 1945, Getúlio mandou e o povo elegeu Dutra na disputa contra o brigadeiro Eduardo Gomes. Cinco anos mais tarde, o próprio Vargas se apresentou aos eleitores, pelo partido que ele mesmo fundou, o PTB. Ganhou fácil: 48,73% contra 29,55% do próprio brigadeiro.

O povo jamais esqueceria que fora Vargas que criara a CLT, com carteira do trabalho, férias remuneradas e outros benefícios sociais. Embora Eduardo Gomes tivesse um bom slogan, “É bonito e é solteiro”¸ Getúlio tinha até marchinha de Carnaval:

Bota o retrato do velho outra vez

Bota no mesmo lugar

O sorriso do velhinho

Faz a gente trabalhar.”

O retrato do velhinho voltou para a parede das repartições públicas, das quais só saiu a partir de 24 de agosto de 1954, dia em que Vargas deu um tiro no próprio peito, no palácio do Catete.

Em toda a história brasileira, jamais houve carisma político igual. Mas o povo continuou votando em gente e não em partidos. Após o entra e sai de vices e vices dos vices (João Café Filho, Carlos Luz, e Nereu Ramos) ter completado o mandato de Vargas, Juscelino Kubitschek foi eleito em 1955, graças a seu charme pessoal. Só que o placar foi apertado:

JK: 35,68%

Juarez Távora (herói do tenentismo e da coluna Prestes): 30,27%

Adhemar de Barros (governador de São Paulo, o homem do “rouba mas faz”): 25,77%

Com mil perdões pela expressão chula, mas a cagada que mudou a história do Brasil para sempre foi o sistema eleitoral vigente em 1960. O carisma, o populismo e a demagogia de Jânio Quadros eram incomparáveis. Não tinha como perder.

Se ia a uma igreja, Jânio deixava a bituca do cigarro do lado de fora para fumar na volta. Usava caspas artificiais nos ombros do terno amarrotado. O colarinho, solto. Gravata, sempre frouxa. Sobre a cabeça, um boné de condutor de bonde. Até este escriba votou nele. Foi meu primeiro voto. Eu tinha 20 anos.

Voltando ao sistema vigente, as pessoas votavam separadamente em presidente e vice. Resultado: os eleitores de Jânio se dividiram entre Milton Campos, da UDN de Minas, e Fernando Ferrari, do PDC do Rio Grande do Sul. Já os do general Henrique Lott, votaram em peso em Jango. Resultado: venceu a chapa JANJAN: Jânio/Jango.

Com a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, assumiu João Goulart, que os militares detestavam. E detestaram ainda mais quando, em comícios na Central do Brasil e no Automóvel Clube, ambos no Rio, conclamou os sargentos, cabos e soldados das Forças Armadas a se rebelarem contra seus superiores.

Só podia terminar em golpe de Estado. E foi o que aconteceu. Os militares assumiram em 31 de março de 1964, e mantiveram a faixa até 15 de março de 1985.

Carisma, charme pessoal, demagogia, heroísmo, tudo isso foi para o brejo. Os cinco generais que se sucederam no Planalto, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, eram escolhidos nos quartéis e impostos ao Congresso, sempre desfalcado daqueles que eram cassados por serem oposição demais.

Como o Brasil nunca foi muito de dar sorte nessa história de presidente, o primeiro civil que reunia características de apaziguador, com os militares, e popularidade, com o povo, foi eleito, ficou doente na véspera da posse e morreu 38 dias mais tarde. É óbvio que estou falando de Tancredo Neves.

Seu vice, José Sarney, governou por cinco anos, mergulhou o país na hiperinflação e perfez uma façanha que deve ser inédita na história política mundial. Nas eleições que se seguiram, as primeiras diretas para presidente desde 1960, todos os 22 candidatos eram de oposição.

Em 1989, com a vitória de Fernando Collor, o carisma voltou. Jovem, rico, bonito, caçador de marajás, inventou um partido ao acaso, um tal de PRN e engoliu todo mundo. Mil e vinte dias mais tarde, com prestígio zero, renunciou para não ser “impichado”.

Coisa mais do que comum no Brasil, assumiu o vice, Itamar Franco. Cujo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, presidiu a elaboração do Plano Real.

Graças ao prestígio adquirido pelo fim da inflação, em 1994 FHC foi eleito no primeiro turno, dando uma sova em Lula: 54,24% a 27,07% (25 dos 26 estados). A sova se repetiria quatro anos mais tarde (agora havia reeleição); 53,06% a 31,71% (23 estados).

Asneira dizer que o Brasil votou no PSDB. Caso contrário, o partido não teria perdido todas as eleições que disputou a seguir. Contando primeiros e segundos turnos, foram 8 derrotas, todas para o PT.

Brasileiro vota em gente, gente.

Em 7 e 28 de outubro de 2018, os brasileiros, em dois turnos, votaram em Jair Bolsonaro. Durante a campanha, ele disse que bandido bom é bandido morto, que menina brinca com boneca e menino, com carrinho, que corrupto tem de ir para a cadeia. Disse e colou.

O PSL nada teve a ver com isso. Por esse motivo, caro amigo leitor, nem preste atenção a essa briga entre o capitão e o partido que lhe emprestou a legenda.

Isso não vai dar nem tomar um voto sequer do capitão. O Brasil é um país de partidos sem partidários.

Ivan Sant'Anna

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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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