Mercadores da Noite #137 - A praga do protecionismo

5 de outubro de 2019
Trump e Brexit – este não se sabe como será executado – são resultados da opção pelo protecionismo. Diminuição no comércio mundial é recessão praticamente certa, o que significa perda de dinheiro nas bolsas e fome para boa parte da população mundial.

Caro leitor,

Durante muitos anos, desde o governo do democrata Jimmy Carter (1977/1981), os Estados Unidos adotaram práticas antiprotecionistas. Com alguns países asiáticos, tais como Japão e China, a coisa funcionava da seguinte maneira: essas nações exportavam produtos industrializados para os americanos, resultando num enorme déficit comercial para os EUA e consequente superávit para os parceiros do outro lado do mundo.

Em contrapartida, japoneses e chineses usavam (aliás, continuam usando) as reservas em dólares que acumulavam para comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Uma mão lavava a outra e a coisa funcionou bem. Mas nem sempre foi assim.

Quem está dando o alerta é o Marink Martins, nosso especialista em mercados globais e volatilidade. Os sinais estão ficando cada vez mais claros, o que torna o momento urgente para você agir.

Voltando a Jimmy Carter, durante a disputa presidencial ocorrida em 1976, quando ele enfrentou o presidente republicano em exercício, Gerald Ford, Carter costumava dizer em seus comícios que os americanos compravam carros japoneses em demasia.

O democrata venceu Ford por 297 a 240 no colégio eleitoral, além de ter obtido 50,1% dos votos populares, contra 48% do adversário – havia candidatos independentes, o que explica o fato de a soma não dar 100%.

Quatro anos mais tarde, Jimmy foi derrotado por Ronald Reagan, mais em função da crise dos reféns da embaixada dos Estados Unidos em Teerã, e de uma tentativa desastrada de resgatá-los, do que de fatores econômicos.

Desde sua posse, ocorrida no dia 20 de janeiro de 1981, Reagan mostrou ao que veio, com uma doutrina que seria conhecida como Reagonomics.

Entre outras coisas, Ronald Reagan deixou claro que as empresas americanas que não fossem competitivas o suficiente para enfrentar os concorrentes estrangeiros deveriam se reestruturar ou fechar suas portas.

Desde então, os Estados Unidos se tornaram um grande importador de produtos industriais, tanto de quinquilharias e utensílios os mais diversos como de bens de consumo duráveis, e exportador de serviços e tecnologia.

A balança comercial era tão deficitária que não a chamavam de trade balance mas de trade deficit.

Regiões como o Vale do Silício tiveram crescimentos fantásticos. Na outra face da moeda, cidades como Pittsburgh, a capital do aço, e Detroit, dos automóveis, entraram em franca decadência.

Surgiu, então, Donald Trump, um milionário republicano, mais conhecido por suas extravagâncias do que por atividades político-partidárias, para disputar as eleições de 2016, contra a favoritíssima Hillary Clinton.

Além de sua proposta mais comentada, a de que iria construir um muro na fronteira com o México, e que os mexicanos pagariam pela construção da barreira, em cada lugar que visitava, Trump prometia recriar empregos que haviam sido perdidos a partir da implantação da Reagonomics.

Para uma cidade, por exemplo, que tivera no passado uma fábrica de televisores ou geladeiras, ele garantia restabelecer a indústria, taxando os equivalentes importados. “America first”, bradava o candidato protecionista.

Prometeu incentivar a extração de carvão, e tudo mais que criasse novos empregos. Embora tendo perdido para Hillary nos votos populares, Donald Trump ganhou em diversos swing states (estados nos quais ora vencem os republicanos, ora os democratas), tais como Flórida, Iowa, Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin. Em todos estes, Barack Obama se elegera na corrida presidencial anterior.

Como, nas eleições americanas, a maioria dos estados usa o princípio de “The winner takes all” (tanto faz ganhar por um voto como ter 100% dos eleitores), Trump venceu no colégio eleitoral, mesmo tendo levando uma surra na Califórnia e outra em Nova York.

Como não raro acontece em situações protecionistas, após quase três anos de euforia “trumpiana”, a diminuição do comércio internacional fez com que a economia dos Estados Unidos começasse a fraquejar. O país está se aproximando perigosamente de uma recessão.

Do outro lado do Atlântico Norte, mais precisamente no Reino Unido, aconteceu mais ou menos a mesma coisa em termos de opção pelo protecionismo.

Num erro monumental de cálculo, o primeiro-ministro David Cameron, desejando aumentar seu prestígio político, e poder no parlamento, convocou um referendo popular para saber se o povo queria que a Grã-Bretanha permanecesse na Comunidade Europeia.

Deu zebra. Os adeptos do divórcio com a União Europeia (EU) venceram por 51,89% a 48,11%. A tática foi mais ou menos a mesma de Trump. “UK First”, embora este slogan não tivesse sido usado.

Um político a favor do Brexit chegava em uma cidade, Manchester, por exemplo, e dizia numa reunião do sindicado dos bombeiros-encanadores: “Não sei como aceitam que um búlgaro venha trabalhar aqui cobrando um terço do que vocês costumavam ganhar”.

Ou, numa cooperativa de agricultores submetidos às rígidas regras impostas por Estrasburgo (sede do Parlamento Europeu): “Está na hora de se libertarem das amarras da burocracia do continente”.

O certo é que o Brexit foi aprovado. Agora ninguém sabe como implantá-lo. Theresa May tentou. Fracassou. O exótico Boris Johnson perde quase todas as votações no parlamento e está sempre se equilibrando na corda bamba.

Nada se equipara a danos protecionistas do que a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. Esse conflito está em pleno andamento, com Donald Trump dizendo uma coisa hoje e a desdizendo amanhã.

Diminuição no comércio mundial é recessão praticamente certa. Pior, recessão global. Evitá-la através da diminuição das taxas de juros seria a solução mais óbvia. Acontece que poucas vezes na história econômica mundial as taxas foram tão baixas, isso quando não estão negativas.

Numa entrevista concedida à jornalista brasileira Flávia Sekles, publicada na revista Veja em outubro de 1986, Ronald Reagan, entre dezenas de outras afirmações, disse:

“Você precisa de um mercado livre e da livre concorrência para manter o desenvolvimento das indústrias, para atualizá-las com o avanço tecnológico, para reduzir seus custos de produção e corresponder às necessidades e aos desejos dos consumidores.”

Se as nações se esqueceram desse conceito tão lógico quanto simples, e que funcionou tão bem por tanto tempo, seus povos vão pagar caro por isso.

Para alguns, o protecionismo e a recessão que vem a reboque significam perda de dinheiro nas bolsas de valores. Para boa parte da população mundial, representa fome.

Ivan Sant'Anna

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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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