Mercadores da Noite #135 - Dinheiro já não atrai dinheiro

21 de setembro de 2019
Fazer o dinheiro render tornou-se um problema universal na medida em que os juros convergem para o zero ou taxas negativas

Convite do editor: Os três vídeos da nova série especial Do Fundo ao Topo estão todos no ar, trazendo dicas que vão ajudar você a construir mais rapidamente o seu patrimônio com os melhores fundos de investimento do país. Hoje, é o penúltimo dia para você assistir aos três vídeos. O material está prestes a ser retirado para a liberação do quarto e último episódio, onde tudo o que o Luiz Cesta transmitiu até agora vai se encaixar. Acesso aos vídeos por este link.

 

Caro leitor,

Volta e meia, ouço as seguintes máximas:

“Quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro.”

“Dinheiro atrai dinheiro.”

Pelo menos esta segunda está caindo em desuso. Para que o dinheiro atraia dinheiro é preciso um pouco de sofisticação e tomada de risco. Caso contrário, ao invés de o capital atrair mais capital, repele. Evapora aos pouquinhos. Se esfumaça. É o que está acontecendo em diversos países.

Na página 39 da edição da Inversa de meu livro Os mercadores da noite há a seguinte passagem:

“Em Tóquio, havia outra reunião em que se tomava decisões com relação aos mercados. Os administradores do Fundo de Pensão dos Bombeiros de Tóquio estavam reunidos. Entre bombeiros da ativa, aposentados e seus familiares, o fundo contava com mais de 100 mil membros. A cidade tinha 3 milhões de casas perigosamente inflamáveis, devido às madeiras das divisórias.

Os bombeiros eram altamente qualificados para o combate ao fogo. Gozavam de grande prestígio. Graças a eles, a cidade não fora totalmente destruída no grande ataque de bombas incendiárias efetuado pela aviação americana em março de 1945. Foram também os responsáveis pelo salvamento de milhares de habitantes no grande terremoto de setembro de 1923. São bem remunerados e gozam de excelente plano de aposentadoria, garantido pelo fundo de pensão e seu patrimônio de mais de um trilhão de ienes.”

Aqui no Brasil, no final dos anos 1960 e início da década de 1970, começaram a surgir os primeiros fundos de pensão (que a gente chamava de “fundações”) das estatais. Naquela época, eu conversava muito com o professor Rio Nogueira (1922/2005), considerado o papa do assunto no Rio.

A situação atuarial dessas empresas, para efeito de aposentadoria de seus funcionários, era confortável: média de idade do pessoal baixa; fase de grande expansão; contratação de gente o tempo todo. Muitos contribuíam, poucos se aposentavam.

Essa folga nas contas trazia em seu vácuo a corrupção que, por sua vez, redundava em investimentos de má qualidade. Gestores se enriqueciam.

Com o passar do tempo, a equação se inverteu. Vieram as vacas magras. Agora havia mais gente se aposentando do que sendo admitida. Como se tal fato não bastasse, as más aplicações diluíram o patrimônio dos fundos.

Para poder honrar seus compromissos com os pensionistas, algumas fundações receberam aportes de capital de suas empresas-mãe.

Veio então a hora da verdade. Em conta-gotas. Uma insolvência de cada vez.

A Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares) tinha contribuintes nas Forças Armadas e fora delas. Quebrou. Os já aposentados deixaram de receber da Caixa. Os oficiais e sargentos fizeram jus aos soldos normais da reforma, como seria de se supor. Os demais associados ficaram a ver navios.

Aerus era uma instituição com a qual aeronautas e aeroviários de diversas empresas aéreas contavam para receber aposentadoria complementar à do INSS e manter a integralidade de seus salários da ativa. Para isso, contribuíam mensalmente com desconto em folha.

O fundo foi à lona e eles tiveram de se contentar com a previdência oficial ou voltar a trabalhar, como fez a maioria daqueles ainda capacitados.

Postalis, fundo de aposentadoria complementar dos Correios, está praticamente quebrado. Quem já é pensionista, viu seu ganho reduzido a níveis mínimos. Aqueles que ainda trabalham na empresa contribuem com mais, mesmo sem saber se irão receber seus benefícios.

Esta semana, conversando com um vizinho aposentado da Petrobras, soube que o fundo Petros reduziu tanto sua pensão que o fez sair em busca de emprego. Até agora não encontrou nada.

Se a maioria dessas coisas aconteceu numa época em que as taxas de juros reais do Brasil se situavam entre as maiores do mundo, imagine agora que estão convergindo para quase zero. Sim, quase zero.

O BNP Paribas estima uma taxa Selic de 4,25% no primeiro semestre de 2020. Para essa mesma época, o boletim Focus, do Banco Central, calcula uma inflação de 3,80%. Resultado: juros reais de menos de meio por cento ao ano. Este número não é condizente com o histórico de incertezas do Brasil.

O dinheiro dos investidores, profissionais e amadores, fundos de aposentadoria privada ou de investimentos multimercados vai acabar migrando, em sua grande maioria, para títulos de renda variável.

Fazer o dinheiro render tornou-se um problema universal. Os fundos de investimento têm ao mesmo tempo de cobrir seus custos operacionais e remunerar os cotistas. Caso contrário, sofrem grandes retiradas. Recorrem então ao mercado de ações.

Não é por acaso que quase todas as bolsas de valores do mundo estão próximas de suas máximas históricas.

O Brasil vem adotando medidas econômicas liberais, uma após a outra: reforma da Previdência; alteração das leis trabalhistas; simplificação tributária. Ao contrário do que ocorre em outros países, quase não há protestos nas ruas. No Congresso, a oposição é insignificante.

Nunca o cenário foi tão favorável à entrada de recursos externos em nossa Bolsa. Os investidores internacionais estão pouco se lixando se Eduardo Bolsonaro será ou não o próximo embaixador do Brasil em Washington, se os ministros Lewandowski e Gilmar Mendes vão melar a Lava-Jato, se os deputados aprovaram a volta do caixa 2 nas campanhas eleitorais, se Lula será solto ou continuará em cana e se o Coaf vai perder seus poderes.

O que eles exigem é que o Brasil se comprometa com a preservação da Amazônia antes de pôr seu dinheiro aqui. Que obedeça aos critérios de ESG (Environmental, Social and Governance), que significa adotar boas práticas ambientais, sociais e de governança.

O patrimônio gerido por signatários da ESG soma a espantosa quantia de 86 trilhões de dólares (não, eu não digitei errado: 86 trilhões), boa parte desse dinheiro atualmente aplicado (se é que este verbo cabe aqui) em títulos com taxas de juros negativas.

Nem todo mundo sabe disso, mas o ano de maior devastação na Floresta Amazônica foi 2009, quando o Brasil era presidido por Luiz Inácio Lula da Silva. Só que Lula jamais se proclamou Capitão Motosserra nem fez pouco caso dos povos indígenas. Seu negócio era usar o dinheiro público em seu próprio proveito e dos parças.

Caso Jair Bolsonaro se mostre mais adaptável aos anseios internacionais, o Ibovespa tem tudo para chegar aos 150 mil pontos. Mas se o presidente insistir em seu ramerrame trumpeano, os recursos externos não virão, ou serão em pequena quantidade. 

Uma coisa é certa. O dinheiro perdeu sua propriedade de se multiplicar sozinho. Tem de ser trabalhado política e financeiramente.

Trilhões e mais trilhões estão dando sopa por aí. É só assobiar da maneira correta que eles virão correndo e abanando o rabo.

Ivan Sant'Anna

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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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