Caro leitor,
Antes da primeira metade da década de 1970, o preço do petróleo não flutuava muito. A extração, o refino e a distribuição eram controlados por grandes empresas multinacionais conhecidas como As Sete Irmãs, embora não fossem exatamente sete. Dependendo da época, variava: seis, oito e até mesmo as sete do apelido.
A OPEP já existia, mas não tinha relevância ou influência. Quem mandava mesmo eram as irmãs.
Veio então a guerra do Yom Kippur (outubro de 1973) e tudo mudou. A OPEP assumiu o protagonismo do mercado e passou a fixar o preço do óleo cru. Mais do que isso: os países integrantes do cartel, liderados pela Arábia Saudita, decretaram embargos e fixaram cotas de exportação declinantes (o pior cenário para os consumidores). No último trimestre daquele ano, a produção nos países árabes caiu de 20,8 milhões para 15,8 milhões de barris por dia.
Nos Estados Unidos houve pânico entre os proprietários de carros (vale dizer, todo mundo). O Departamento de Energia implantou um sistema de racionamento tão simples quanto eficaz. Cada posto de abastecimento recebia uma quota diária (também declinante). Quando a quota acabava, acabava. Resultado: filas enormes de carros se formavam, rodando quarteirões, esperando a nova remessa.
Como a maior parte da energia elétrica consumida no país era produzida por petróleo, diversas municipalidades proibiram decoração nas casas e nas lojas no Natal de 1973. O estado de Oregon determinou que o comércio mantivesse apagados seus anúncios luminosos.
A Grã-Bretanha foi muito além. No dia 6 de dezembro de 1973 o primeiro-ministro Edward Heath decretou a semana útil de três dias. Já a Holanda impôs pena de prisão para os consumidores que ultrapassassem suas cotas de racionamento de energia.
As restrições ao consumo não impediram o bull market. No último trimestre de 1973, o preço do barril subiu 500 por cento: de 2,90 dólares para 17,40 dólares, valor pago por uma trading japonesa a um carregamento iraniano.
Após o embargo, seguiu-se a estatização das empresas petrolíferas estrangeiras. Isso aconteceu na Arábia Saudita, no Kuwait, no Irã, na Líbia, na Venezuela, etc.
Nessa época, o Brasil vivia a plenitude do milagre econômico, sob o governo do general Emílio Garrastazu Médici. Tanto Médici como seu sucessor, Ernesto Geisel, que assumiu a presidência em 15 de março de 1974, se abdicaram de tomar providências para diminuir o consumo de gasolina e de diesel. Com o agravante de que o Brasil só produzia trinta por cento do petróleo que consumia. Nós preferimos tomar empréstimos externos (petrodólares que abundavam no mercado) para tentar manter o crescimento econômico, o que se revelou impossível.
Geisel só adotaria o racionamento mais tarde, na segunda metade de seu governo, quando já não havia como evitar a inflação e a recessão, que seriam as marcas registradas dos últimos dez anos do regime militar brasileiro.
Mais crise
No final dos anos 1970 e início dos 1980, era voz corrente no mercado que as reservas petrolíferas mundiais se esgotariam na primeira metade do século XXI e que o preço do barril, ao contrário das outras commodities, não faria outra coisa senão subir, com exceção de algumas baixas pontuais (a quase sempre risível “saudável realização de lucros”).
Pois bem, veio o segundo choque, com a queda de Reza Pahlavi, xá do Irã, e sua substituição pelo governo teocrático do aiatolá Khomeini. Seguiu-se a tomada da embaixada dos Estados Unidos em Teerã e a crise dos reféns. O barril elevou-se a 40 dólares.
A teoria de que o petróleo era uma commodity cujo preço só subia sofreu sério abalo quando, em 1985, a cotação despencou para apenas seis dólares em meio a uma guerra de preços liderada pela Arábia Saudita. Foi preciso que George H. W. Bush, então vice-presidente de Ronald Reagan, viajasse a Riad para convencer o rei Fahd a reduzir a produção. Do contrário, a indústria petrolífera americana quebraria.
Houve ainda um terceiro choque quando, em agosto de 1990, os exércitos de Saddam Hussein invadiram e ocuparam o Kuwait, provocando a guerra do Golfo, facilmente vencida pela coalizão liderada pelos Estados Unidos. No dia do primeiro bombardeio a Bagdá, o preço do barril esbarrou em 40 dólares, mas permaneceu nesse nível por apenas alguns minutos.
Mas o grande bull market ainda estava por vir. Chegou a reboque do formidável crescimento econômico da China. Sugado pelas importações chinesas, a cotação se elevou até 156,48 dólares, máxima de todos os tempos, alcançada em outubro de 2008. Esse preço viabilizou o pré-sal brasileiro e, em todo o mundo, a extração de óleo de xisto e as energias eólica, solar e das marés. Os especuladores juravam que o barril bateria 200 dólares.
Só que os tempos mudaram e, com ele, a mentalidade, principalmente entre os chineses com seus rostos cobertos por máscaras em virtude da poluição.
Uma revolução sem armas está acontecendo no mundo inundado de hidrocarbonetos e sufocado pelo ar irrespirável das grandes metrópoles, principalmente nos dois países mais populosos da terra: China e Índia.
Não é por acaso que a Tesla, empresa que controla apenas 0,2 por cento do mercado americano de automóveis e que jamais apresentou um balanço lucrativo, tenha um valor de mercado superior ao da General Motors, que detém 17,3 por cento do mesmo mercado. É que a Tesla fabrica automóveis elétricos.
Também não é por acaso que a Volvo anunciou a suspensão, a partir de 2019, da fabricação de carros movidos a gasolina e a diesel, substituindo-os por veículos híbridos. É que a tradicional empresa sueca agora pertence aos chineses e fabrica carros chineses não poluentes ou pouco poluentes para usuários da China.
Commodity mais importante do mundo desde as primeiras décadas do século XX, o petróleo está saindo do pódio. Cada vez influenciará menos os demais mercados.
Petróleo, empresas petrolíferas, fabricantes de produtos movidos a petróleo, sell them on rallies. Tal como o carvão, a lenha e a indústria do tabaco, ainda vão exibir alguns espasmos, não mais do que arrancos de cachorro atropelado. Mas o certo é que terminou a vez.