Gritty Investor #68 - Encruzilhada

21 de dezembro de 2018
Qual rumo seguir?

Oi.

Esse é um período do ano em que fazemos uma retrospectiva do que aconteceu, de como chegamos até aqui. E, tentando determinar o momento que me trouxe até aqui, fui puxando o fio da história até me ver sentado em um banco dentro do parque Trianon, em São Paulo, no horário de almoço em meados de 1995.

Aquele tinha tudo para ser um ano bom. FHC acabara de assumir a Presidência. A inflação estava sob controle. Havia expectativas de um grande plano de privatização e de ajuste fiscal. Mas o México teve problemas em manter sua política de câmbio fixo e foi obrigado a desvalorizar o peso e recorrer ao FMI.

O Ibovespa tinha começado o ano em 4.078 pontos, caiu 48% em pouco mais de dois meses, fazendo a mínima no dia 9 de março (2.138 pontos). Como eu operava alavancado entre duas e três vezes o meu patrimônio, fui obrigado a zerar minhas posições do dia 8 de março. Assisti aliviado ao mercado cair outros 9% no dia 9. Apesar de perder quase tudo, não fiquei devendo nada a ninguém.

No dia 10 de março daquele ano o México anunciou o acordo com o FMI. Assisti impotente ao Ibovespa subir 25,6% em um único dia, tendo vendido toda minha posição três dias antes. Era mais que a dor da perda financeira. Era a humilhação absoluta. Não podia mais trabalhar na Socopa.

Com a indicação de um grande amigo, o Ivan Kraiser, acertei começar a trabalhar na Fator Corretora no início de abril. Voltei para Minas Gerais e passei duas semanas sentindo dó de mim mesmo e lamentando minha falta de sorte.

Com o que tinha sobrado da liquidação das minhas ações e do meu carro importado, comprei um Gol CL branco. Era o que dava. Entreguei o apartamento no flat onde eu morava sozinho e voltei a morar na minha antiga república de estudantes. Para economizar dinheiro do estacionamento, eu parava o Gol no Viaduto Bernardino Tranchesi, embaixo da passagem da Peixoto Gomide. Estacionamento coberto e de graça, era o que eu precisava.

Depois de uns 20 dias, roubaram o meu Gol. Para receber o seguro (R$ 6 mil) eu ia precisar de uns 30 a 40 dias, mas meu amigo Ivan veio me salvar. Ele me vendeu seu Monza Classic 89 automático a álcool por R$ 4 mil, parcelado em 10 vezes. Era a solução perfeita. Eu não teria que andar de ônibus e com o dinheiro do seguro faria um capital de giro para voltar a operar. Quando o seguro me pagou, finalmente estava de volta ao jogo.

Ainda sem muita paciência para tentar ficar rico, em vez de ações, optei por gastar o dinheiro do seguro numa estratégia de opções. Depois de montada, dia após dia, vi minha posição começar a virar pó. Estava imobilizado. Tinha medo de zerar e ver o mercado voltar a subir, como em março. Minha ansiedade era enorme.

O escritório ficava na esquina da Peixoto Gomide com a Paulista e, nesse dia, para não continuar assistindo à minha derrocada, decidi sair para almoçar (coisa que eu não fazia sempre). Caminhei um pouco e, em frente ao Masp, entrei no Parque Trianon.

Depois de uns 50 metros de caminhada sentei em um banco e fiquei espantado com o silencio do lugar. Tão próximo à agitação da Paulista existia um lugar tranquilo no meio de árvores e uma sombra escura e fresca.

Foi sentado nesse banco que contemplei minha caminhada até ali. Será que eu havia nascido pra isso? Será que eu não estava no lugar errado? Não era a hora de procurar um emprego “de verdade”?

Eu sempre evitei pedir a Deus para que a Bolsa suba ou caia. Seria injusto da parte dele tomar partido dos comprados ou vendidos. Mas naquele dia eu pedi um sinal. Se fosse para eu sair ou ficar no mercado, que ele me desse uma pista. Foi isso que pedi naquele momento.

Quando voltei para mesa de operações, o mercado tinha começado a reagir. E, para completar o meu dia, eu recebi uma ligação da custodia da corretora dizendo que havia entrado umas ações de Petrobras ON na minha conta. Esse era o sinal. Vou explicar como isso aconteceu:

Naquela época, era proibido estrangeiros adquirirem ações ON da Petrobras. Para comprar ações, você devia enviar documentação comprovando que você era brasileiro. A escrituração era demorada e burocrática. Por isso, as ações ON negociavam com 50% de desconto em relação às PN.

Acontece que em março de 1994 a Petrobras deu uma bonificação de 33,33% em ações. Mas os papéis só foram entregues na custódia mais de um ano depois, no dia que eu pedi um sinal. Tudo estava claro pra mim.

Dois anos depois eu tinha passado da posição de analista para a de gestor. Tinha conhecido minha esposa e estava me preparando para assumir um outro posto no Banco BBA, na posição de tesouraria. Foi na Fator que realmente minha carreira começou. Até então eu estava apenas na escola.

Acho que todos nós podemos olhar em retrospectiva e encontrar esses momentos cruciais. Acho que não só as pessoas, mas as empresas e os países também passam por essas encruzilhadas. O que precisamos no fundo é perceber os sinais.

Comecei 2018 extremamente inseguro sobre qual desfecho da eleição. Ainda em setembro eu achava que qualquer coisa era possível. Mas quando eu vi a facada no candidato Bolsonaro, eu vi o sinal.

Eu mesmo, que estava inclinado a votar nele, ainda que cheio de dúvidas, a partir daquele momento abracei a candidatura. Acho que o mesmo aconteceu com muitos brasileiros. Nunca saberemos ao certo qual seria o resultado da eleição sem a facada.

Mas o que está claro é que nessa encruzilhada o Brasil tomou o rumo certo. E se a direção está certa, quem será capaz de dizer o que vai acontecer daqui a dois, dez ou vinte anos?

Feliz 2019 a todos!

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Um abraço,

Pedro Cerize

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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