Gritty Investor #44 - Cuidado com esta fase

28 de março de 2018
Quando o conhecimento é perigoso

Gritty Investor

Oi.

Já tive minha fase de piloto de avião. Comecei com a ideia de pilotar ultraleves avançados. São aviões pequenos, e a burocracia de manutenção e a obtenção de brevê são mais simples.
     
Meu primeiro teco-teco foi um kit chamado RV-9. Equipado com motor Lycoming (mesmo dos Cessnas), ele é uma delícia de aeronave para voar. Mas com nascimento dos meus filhos (gêmeos), decidi que precisava de algo mais confiável e optei por um Cirrus SR22. O primeiro avião com paraquedas na aviação civil. 

Enquanto o avião não chegava, tirei a licença de Piloto Privado (PP) no aeroclube de Jundiaí. Já devidamente licenciado, fui juntamente com um piloto experiente de Cirrus para Minesota (EUA) buscar o avião. Basicamente, eu nunca tinha voado um Cirrus e nisso o comandante Copini era craque. Ele, por sua vez, não falava inglês. Combinamos forças e fizemos uma viagem inesquecível até o Brasil. Quando cheguei já estava familiarizado com o novo avião e, em pouco tempo, já voava com a minha família.
     
Assim como em tudo o que eu faço, nessa época mergulhei na literatura sobre teoria de voo e causas de acidentes aéreos. Nada mais representa o conceito “Skin in the game” do que pilotar. Eu queria saber o que acontecia na maioria dos acidentes aéreos. Minha grande preocupação era saber quais eram as falhas mecânicas mais comuns. Percebi que em 98 por cento dos casos de quedas de pequenas aeronaves a principal razão era falha humana - combinada ou não com outros fatores.
     
Na minha apólice de seguro estava escrito que não haveria cobertura em caso de queda por pane seca (falta gasolina). Pensei comigo: como é que alguém chega ao ponto de cair por falta de gasolina? Para o meu espanto, descobri que na aviação de pequeno porte essa é a causa de 50 por cento das quedas. Isso mesmo, metade dos acidentes acontece por falta de gasolina.

Dentre os inúmeros livros que li, um me chamou muito a atenção: “The Killing Zone: Why & How pilots die”, do Paul E. Craig. O autor, instrutor experiente e estudioso de acidentes aéreos, mostra que existe uma chamada Zona da Morte, quando o piloto novato atinge entre 40 e 250 horas de experiência de voo, com pico em torno de 150 horas de voo. 
      
Parece paradoxal que o risco de acidente aumente com a experiência. A explicação para o fenômeno é que, nessa fase, o piloto - ainda novato - se sente seguro e autoconfiante e comete erros mortais. Com o tempo e com os sustos, vai ganhando experiência (e juízo) e a taxa de mortalidade se estabiliza. 
    
Quando li o livro me lembrei imediatamente da minha carreira como investidor. 
      
No começo, eu não sabia nada. Tinha medo de tudo, estudava com cuidado o que fazer e tinha a disciplina de zerar perdas. Com o tempo comecei a me achar o entendido no assunto. Já via meu futuro brilhante nos mercados. Em 1995, com a crise do México, sofri meu primeiro acidente fatal e perdi tudo que tinha juntado desde 1992, quando comecei minha carreira. Ainda bem que eu era investidor, não piloto.
      
Mais recentemente, me deparei com um gráfico interessante que compara “Grau de Conhecimento” com “Experiência”.

Basicamente, como investidor (e como piloto), passamos por 3 fases distintas:
      
- Iniciante: Temos a consciência de que não sabemos o assunto e, por isso, somos prudentes e buscamos ao máximo a ajuda de pessoas com experiência no tema. 
       
- Perigosa: Assumimos que já sabemos investir e que temos conhecimento suficiente para gerir nossos recursos com confiança. Aliás, confiança é a palavra-chave aqui. Excesso de confiança é sem dúvida mais perigoso do que a falta de conhecimento nos mercados financeiros.
       
-Experiência: Nessa fase, apesar de saber muito mais do que nas fases anteriores, temos consciência das nossas limitações e de quanto ainda falta para entendermos o assunto.

Por isso, quando Iniciantes me perguntam o que vai acontecer, eu digo que não sei. Muitos se sentem ofendidos, imaginando que estou guardando para mim o mapa do tesouro.

Dizem que o mercado é composto por aqueles que não sabem (iniciantes ou experientes) e os que não sabem que não sabem (perigosos). Tente descobrir em que fase você se encontra hoje. Todos temos que passar pela fase do perigo, mas o importante é saber que estamos nela. Isso pode salvar sua vida financeira.

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Um abraço,

Pedro

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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