Gritty Investor #15 - Você é investidor ou especulador?

18 de agosto de 2017
Não brinque com as suas economias

Gritty Investor

Oi.

O termo especulador, por algum motivo que eu desconheço, parece carregar um tom pejorativo. Perante o público, o especulador busca apenas o lucro de curto prazo. Ele é movido pela ganância e pelo medo, não produz nada e parece sempre estar por trás das crises no mercado financeiro.

No outro extremo temos a imagem do investidor, uma figura mais equilibrada, que coloca em risco o seu capital para financiar empresas, criar empregos e fomentar o desenvolvimento.

Os governos querem atrair investimentos, mas querem coibir a especulação. Não é por acaso que todo mundo quer “investir” e não “especular” na bolsa.

Mas é absolutamente imprescindível separar o que é investir do que é especular. Não é preciso separar as pessoas, mas sim as atividades. Com raríssimas exceções, a maioria dos participantes do mercado faz as duas coisas. Eles estão buscando o lucro. Se ele vai vir no curto ou no longo prazo ninguém sabe.

Mas, essencialmente, essas duas coisas são diferentes e é muito importante saber se o que você está fazendo é uma aposta especulativa ou investimento. Cada atividade demanda um processo distinto e uma disciplina muito diferente. Disciplina e consistência são as chaves para qualquer atividade, inclusive especular e investir.

O que faz e qual é a função econômica do especulador?

O especulador é um agente que busca ganhar dinheiro se antecipando aos movimentos de preços de ativos, commodities, moedas, títulos, etc. Um especulador de trigo, ao detectar que estoques estão baixos ou que em algum lugar houve uma queda importante de produção, aposta que os preços vão subir no futuro.

Esse movimento “especulativo” faz com que o preço do trigo comece a subir. Essa alta de preço sinaliza aos produtores de trigo que plantem mais, já que o preço está vantajoso. É possível a esses produtores venderem aos especuladores a safra futura, garantindo a rentabilidade de quem planta. Há uma transferência de risco e indiretamente um incentivo à produção do cereal.

Isso minimiza o risco de falta do produto no futuro. Esse e outros inúmeros mecanismos de transferência de risco e provimento de liquidez são realizados voluntariamente todos os dias por um exército de especuladores que, sem garantias de sucesso, se arriscam nos mercados. Pense no Ivan Sant’Anna, autor da newsletter Os Mercadores da Noite, e verá um especulador nato.

O que faz e qual é a função econômica do investidor?

O investidor busca remunerar seu capital financiando atividades econômicas, indivíduos, governos ou projetos. Esses investimentos podem ser primários, quando vão diretamente para o objeto do investimento, ou secundários, quando já estão em andamento e são revendidos a outros investidores.

O investidor olha para o retorno esperado do investimento vis a vis o preço pago pelo investimento e estima uma rentabilidade desejada. A rentabilidade real só vai ser aferida após a conclusão do projeto ou a venda do mesmo no mercado secundário. O investidor e o empreendedor são os principais motores do desenvolvimento e podem ser, ou não, a mesma pessoa.

Mas por que isso me interessa?

Ao longo da minha carreira já vi inúmeros casos de sucesso e fracasso. Mas o mais comum com ações é observar especuladores que compram esperando uma valorização futura para vender, tentando imitar o que faz um investidor de verdade, como Warren Buffett.

Quem compra uma ação hoje e fica feliz que ela subiu 1% amanhã é um especulador. Quem fica preocupado que a carteira não está andando bem no último mês é um especulador. Quem olhou um gráfico de preços para tomar a decisão de compra, também. Quem foi para a Bolsa achando que a queda de juros vai favorecer ações está no mesmo grupo.

Resumo: quase todos somos especuladores e nos julgamos investidores.

Usando a definição de Buffett, você só é um investidor de verdade se decidir comprar uma ação mesmo sabendo que ela não vai ser negociada nos próximos cinco anos. Para fazer isso você tem que entender o negócio, conhecer o dono e ter confiança de que o preço pago embute uma margem de segurança que permite obter um retorno mesmo que algumas de suas premissas estejam erradas. O retorno esperado vai vir do resultado do negócio.

    

Imagine que você recebeu como herança de uma tia distante uma participação em um negócio rentável, de origem familiar e que todo ano paga dividendos. Você nunca soube o valor dessa participação. Você não tem poder de gerenciar o negócio, mas conhece bem os donos e confia neles. Periodicamente, você se informa de como estão indo os resultados e fica mais ou menos empolgado à medida que os negócios melhoram ou não. Essa participação minoritária é um investimento.

Imagine agora que essa empresa faça um IPO e, de repente, você se vê dono de uma posição de ações que tem um valor considerável. Seu foco, que antes era o seu fluxo de dividendos (que depende do negócio em si), acaba mudando para o valor da ação, que depende da oferta e demanda do mercado.

Pouco a pouco você se afasta de olhar para o negócio e passa a olhar para o seu patrimônio, ou seja, o preço. Fica feliz quando sobe e preocupado quando cai. Seu investimento virou uma especulação.

Se você compra um imóvel para receber aluguel, você espera contar com o aluguel por um prazo muito longo. Esse imóvel pode ser eventualmente vendido, caso haja uma valorização exagerada que reduza o rendimento sobre valor ou caso haja uma degradação no valor do aluguel não refletido no preço. Substitua imóvel por uma ação e aluguel por dividendo que você passará de investidor imobiliário para investidor em ações.

A meu ver, a vantagem de ações sobre um imóvel, numa perspectiva de investimento, é que as oscilações de preço permitem que façamos trocas entre ações ao longo do tempo visando aumentar o rendimento real simplesmente trocando o que está mais caro pelo que está mais barato. Isso é muito mais difícil no aluguel, por exemplo. O mesmo pode ser feito entre ações e renda fixa e dentro da própria categoria de renda fixa ao longo do tempo.

Essa atividade de estar constantemente analisando as oportunidades e ajustando as velas do barco, à medida que os ventos mudam, é o que chamamos de gestão de recursos.

Importante: tenha claramente definido o que é investimento e o que é especulação na sua carteira. Acho absolutamente racional especular com BITCOIN, por exemplo, antecipando movimentos de preços. Define-se um preço de entrada, um preço alvo e um stop-loss. Pode-se usar análise dos fluxos para essas moedas, gráficos ou recomendações de especialistas. Não importa. Porém, o mais importante é definir que essa é uma atividade especulativa cujo objetivo é lucrar com a valorização do ativo.

Especula quem compra para vender mais caro. Investe quem compra para receber rendimento.

Sempre ouvi uma frase que me causava certo desconforto (pois, na maioria das vezes, era verdadeira): “Investidor é um especulador que não deu certo”. A racionalização do erro na especulação é armar que bolsa é para o longo prazo. Longo prazo nada mais é que uma sequência de curtos prazos.

Duas coisas que você não deve brincar: com a sua saúde e com suas economias. Escolha com cuidado seu médico e em quem confiar o seu dinheiro.

Não deixe de escrever para gritty@inversapub.com dizendo o que achou da newsletter.

Um abraço,

Pedro Cerize

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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