Gritty Investor #14 - Guia prático para investir e correr

11 de agosto de 2017
Lições dos quenianos

Gritty Investor

Oi.
    
Se você está lendo esta newsletter, está interessado em adquirir conhecimento para gerir o seu dinheiro. Existe uma literatura extensa sobre o assunto: desde a linha mais acadêmica até guias passo a passo de como investir. No meio de tanta informação, a dificuldade em separar o que é útil e aplicável é muito grande. Isso aumenta a sensação de que investir é uma ciência complexa e apenas para profissionais com inteligência superior e formação extensa na área. 
        
Talvez você esteja agora na mesma posição que eu estava quando me interessei pela corrida. Eu queria me preparar, mas não sabia bem como treinar adequadamente. Vou contar minha história nas corridas e explicar que as mesmas regras valem para quem quer investir.
      
Quando fiz 40 anos estava passando por uma fase estressante na minha carreira. Não conseguia dormir direito, pouco a pouco estava ganhando peso e, apesar de não estar doente, não me sentia saudável. Eu estava entrando em decadência física e isso gerava uma ansiedade adicional ao stress do trabalho. Em um desses episódios de insônia, desci até a academia e decidi correr na esteira. Foram 12 minutos a pouco mais de 10 km/h. Estava exausto. Tomei um banho e caí num sono profundo, raro naquela fase da minha vida. 
       
Aquelas corridas da madrugada evoluíram para corridas em um parque perto de casa. No início, a evolução foi rápida seguindo apenas planilhas da Internet e, depois de seis meses, me inscrevi para uma prova de 10Km. O objetivo era apenas completar. Tudo ia bem até que lá pelo quilômetro sete eu fui ultrapassado por um anão. Não um cara baixinho, um anão mesmo. Humildade tem limite e, a partir daquele momento, eu e o anão travamos uma batalha de gigantes até a linha de chegada.  Invejosos dizem o contrário, mas digo com convicção que ganhei aquela guerra.
       
Decidi que iria melhorar na corrida. Entrei na Amazon e comecei minha educação de corrida. Comprei livro de treinadores, de fisiologia do esporte, de alimentação, etc. Depois de adquirir o conhecimento básico, tentei achar uma assessoria esportiva que me ajudasse, mas, desconfiado, questionava os treinadores das razões científicas que justificavam a planilha. Minha conclusão era de que eles, na maioria das vezes, não sabiam. Repetiam apenas uma fórmula de bolo preparada. Não havia individualização nem questionamento por trás das recomendações.
      
Mesmo assim, continuei treinando com base nos livros e, em pouco tempo, já me achava um entendido no assunto. Já entendia o que eram limiares aeróbicos, anaeróbios, VO2 max, etc. Já tinha meu relógio com GPS e monitor cardíaco e, treinando sozinho, estreei na maratona em 2010. Na quarta tentativa, em 2012, consegui terminar abaixo de três horas, um número simbólico importante para a maioria dos amadores.  
      
A partir desse ponto, melhorar exigiria esforço e conhecimento extra. Precisava ir beber diretamente na fonte. Onde estavam os melhores corredores do mundo? No Quênia. Mais precisamente na região de Eldoret, no Rift Valley, em uma pequena cidade chamada Iten (de 4 mil habitantes) que chega a abrigar 1500 corredores de elite. Localizada a 2600 metros de altitude, fica na região da tribo dos Kalenji, uma etnia de pouco mais de um milhão de habitantes que representa 90 por cento dos corredores daquele país. Eu estava me preparando para correr a maratona de Berlim e decidi que minhas ultimas três semanas de preparação seriam no Quênia, correndo e aprendendo com os melhores do mundo.
      
Foi uma experiência única viver e treinar ali por três semanas. Mas a principal lição que tirei daquele período foi que não importa muito a teoria, desde que o trabalho seja feito. 
     
Um episódio ilustra bem o quão simples e direta é a visão do atleta queniano sobre treinos e competições. Eu tinha acabado de fazer uma série na pista (de terra) em que os quenianos estavam treinando. Estava um dia claro, com sol forte e, apesar da altitude, a temperatura estava alta. Terminando o treino, já sem a camisa, um atleta me pergunta com forte sotaque local, apontando para meu monitor cardíaco:

- What is this?  (O que é isso?)
    
-  Heart Hate Monitor  (Monitor cardíaco)
   
Ele me olha com uma cara de que ouviu acelerador atômico de partículas quânticas e continua:

- What do you run?  (O que você corre?)
    
- Marathons. (Maratonas, eu respondi)
    
- What is your time? (Qual seu tempo?)
  
- Two fifty. (Dois e cinquenta)

- Two fifteen? Not good. (Dois e quinze? Não está bom)

- Not two fifteen. Two fifty. (Dois e quinze não. Dois e cinquenta)
   
- Two fifty? Why do you run? (Dois e cinquenta? Por que você corre?)
     
No Quênia, corrida é profissão, não lazer. Ou seja, correr uma maratona em 2 horas e 50 minutos não faz sentido. Para eles, um intervalo razoável seria abaixo de 2 horas e 12 minutos.
    
Depois daquela viagem, minha preocupação com teoria de treinamento de corrida acabou. O importante é fazer o que tem que ser feito. 
    
Rotina e disciplina executadas consistentemente por um prazo longo levam à perfeição.  A perfeição nesse caso é um limite pessoal. Cada indivíduo tem seu limite. Não perca muito tempo lendo qual a melhor maneira de treinar para correr, simplesmente corra. Mas se você corre como profissão, não faz sentido correr se não estiver entre os melhores. 
    
Nos investimentos as limitações são menores que as barreiras impostas pela habilidade física na corrida. Mesmo assim, algumas pessoas têm traços específicos que as tornam especiais como investidores. Uma coisa que sempre admirei no Luis Stuhlberger é que, mesmo sem descer ao nível de detalhes que eu tinha sobre as empresas, ele sempre era capaz de identificar qual das minhas ideias era a melhor. Eu dissipava energia demais tentando cobrir tudo e ganhar alguma vantagem em todos os aspectos da análise. Ele era muito mais simples e eficiente. Foi dele que eu ouvi um conselho que até hoje procuro não esquecer:
    
“Seu problema é tentar ganhar dinheiro em tudo.” 
    
Além de impossível, isso dispersa nosso foco. Foque no que é importante e mantenha a disciplina. Esse é o segredo de investir e correr bem.

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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