Gritty Investor #10 - Banco Central: um erro

14 de julho de 2017
Muito simbolismo e pouca evolução real

Gritty Investor

Oi,
         
Lendo os jornais, a única notícia animadora que temos são os dados de inflação. Muito provavelmente, no próximo mês a inflação acumulada vai estar abaixo do piso estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Mesmo assim, na última reunião do COPOM, o tom foi mais conservador, indicando uma queda mais gradual em função do ambiente político incerto. O mercado aplaude: esse é o papel de um Banco Central com credibilidade.
          
A contrapartida desse “sucesso” é um desemprego de 13 por cento sem muitos sinais de melhora. Uma tragédia social e um peso político enorme para qualquer governo. Aqui ou em qualquer outro país, o Banco Central (BC) sempre sofre influência política e nunca é totalmente independente. No final do dia, os diretores do BC, com mandato fixo ou não, serão escolhidos por um político. Vejam o que está acontecendo agora nos EUA. Trump vai decidir se reconduz ou substitui Yellen como chairman do FED.

O erro

A minha opinião é que o BC errou ao ser conservador demais na redução de juros. As projeções que ele tinha sobre inflação futura, próximas às do boletim Focus, ficaram acima do que efetivamente observou-se na vida real. Mas, do alto do pedestal, os economistas afirmam que inflação veio “abaixo das projeções”, como se a culpa e o erro fossem do valor real e não da projeção. Sempre lemos na manchete “Inflação veio abaixo (ou acima) das projeções”, quando a manchete correta seria “Projeções ficaram acima da inflação”.
        
Mas o “erro” aconteceu principalmente porque ocorreu um choque negativo nos preços dos alimentos e dos combustíveis. Mas não vemos jornais falando da queda do tomate, da promoção no feijão ou da dona de casa trocando frango por carne. Mas mesmo que não tenhamos a manchete, a renda disponível dos mais pobres subiu (desde que ele tenha emprego, obviamente).

Apesar dessa surpresa positiva causada pelos preços cíclicos, que teoricamente não são muito afetados pela política monetária, tanto o Focus quanto a curva de inflação implícita nos títulos públicos já davam sinais claros de que a inflação estava controlada. Por outro lado, o mercado de trabalho continuou dando sinais de fraqueza e isso não afetou o conservadorismo do BC em relação ao ritmo de queda da taxa de juros.       

A oportunidade

Mas não há o que fazer em relação ao passado. Apontar erros é fácil. O que precisamos é mostrar caminhos para que a política econômica siga no caminho certo e acho que estamos num momento único, em que são possíveis ajustes no modelo, sem os custos de reputação do oportunismo político.
        
O CMN recentemente decidiu reduzir a meta de 4,5 por cento para 4 por cento nos próximos anos. Muito simbolismo e pouca evolução real. Isso é muito comum no Brasil. Nosso complexo de vira-lata cria uma tendência a comemorar qualquer sucesso alcançado como uma oportunidade única.
              
Depois de anos estourando a meta, na primeira oportunidade, sem discutir o mérito de como o sucesso foi obtido, o CMN levanta a barra olhando muito mais para o resultado do que para o processo. Com isso, desperdiça a chance de fazer mudanças relevantes em um modelo que foi implementado em 1999 por Armínio Fraga, no Brasil pós-desvalorização, e que buscava uma nova referência para política monetária com o fim do câmbio controlado.        

O que o CMN deveria mudar na política de metas?

- Meta de Inflação deveria excluir o preço de alimentos e energia por serem fatores cíclicos: essa é a prática mais aceita. Como no Brasil ancestral o governo fez “expurgos” na inflação, isso sempre foi visto como uma forma de manipular a estatística. Essa medida sempre foi cogitada nos momentos de inflação em alta e, por isso, descartada por ser oportunista e porque tiraria a credibilidade do modelo.
       
O BC deveria reconhecer que a inflação está temporariamente baixa por causa de fatores cíclicos não sustentáveis e que o ideal seria olhar para o “núcleo” dela. Implantar essa mudança agora tiraria a pressão por quedas mais agudas na Selic no curto prazo e evitaria choques futuros quando os preços cíclicos se comportarem na direção oposta. Isso poderia ser feito nesse momento sem arranhar a credibilidade do BC.
                 
- BC deveria ter mandato duplo: inflação e emprego. Sinceramente, mandato simples é uma moleza. Em tudo na vida sempre avaliamos a equação custo x benefício. Mas para o BC subir ou baixar juros não implica em custo nenhum. Da forma que está concebido hoje, somente atingir a meta de inflação mede o trabalho da equipe do BC. Mas supondo que a taxa natural de desemprego no Brasil seja de 6 por cento, o quão positiva é de fato uma inflação abaixo da meta, quando o desemprego é de 13 por cento? Agora vamos para um extremo oposto. Quando Tombini era o presidente do BC: o que justificaria manter os juros baixos e ficar próximo ao teto da meta se o desemprego estava em 4 por cento? Se o mandado fosse duplo, o mercado poderia antecipar melhor os movimentos do BC e precificar com mais precisão a curva de juros de longo prazo. Teríamos mais coerência.
            
Mandato duplo já existe em outros Bancos Centrais do mundo (não em todos) e representa melhor a realidade política da figura desses órgãos. Períodos de desemprego ou de inflação em alta costumam custar o emprego dos políticos. Nada mais justo que emprego e inflação sejam as métricas da política monetária. Por isso não se chama “Ciência monetária”. Política monetária é um braço a mais dentro da política de governo e deve ser norteada pelos mesmos objetivos. Independência do BC ajuda a manter um afastamento saudável, mas não muda essa realidade.
              
A implantação dessa medida requer um cuidado maior, mas, em tese, esse é o momento ideal de mudar, de evoluir o modelo. Essa evolução seria mais bem recebida se fosse feita junto com a independência do BC, medida amplamente discutida e praticamente aceita por todos como sendo a melhor opção.
        
Vários defensores da queda de juros mais rápida se manifestam nas redes sociais usando o #Coragem BC. Ao invés de dizer “Coragem BC”, prefiro dizer “Coragem CMN”.

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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