Gritty Investor #89: Uma lição sobre alavancagem

26 de março de 2021
Houve uma época em que eu não conhecia os ciclos de alta. Eu me achava inteligente, mas não sabia que eu estava surfando uma onda.

Oi. 

Hoje vou começar contando como eu virei investidor. Eu sou o filho mais velho de sete irmãos. Nasci em São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais. Morei na fazenda até os 7 anos de idade e, inicialmente, minha mãe tinha medo de que eu virasse um ignorante como todas as crianças que moravam lá, por isso ela me alfabetizou bem jovem. 

Então eu fui para a cidade  justamente para estudar. Quando entrei no primeiro ano, eu já tinha um monte de irmãos. E minha mãe sabia que a única solução para mim era estudar, porque se eu não estudasse, eu iria ser fazendeiro como o meu pai. 

Na época, eu estudava em colégio público. E o colégio era bom. A outra opção na cidade era o colégio das freiras, que era o particular, mas o colégio público não era pior do que os outros. 

Isso foi na década de 80. Depois, eu vi a decadência da profissão do professor, que passou de uma pessoa respeitada para uma pessoa maltratada na sala de aula. Vi essa transição do começo ao fim dos meus estudos. 

Essa é a tal da década perdida, em que a educação básica e pública ficou deteriorada. 

Meu pai me deu uma chance. Ele fez um grande esforço na época e me mandou para Ribeirão Preto, para fazer o curso preparatório para o vestibular no Anglo. 

Como eu sempre gostei de carro e de mexer com motores, queria ser engenheiro mecânico. Então, eu comecei a estudar para a faculdade de engenharia, sempre direcionado mais para a área de exatas. 

Lá, eu tinha um amigo que vivia falando que iria prestar vestibular para entrar na Fundação Getúlio Vargas (FGV), porque era a melhor escola do mundo. E me mostrou alguns rankings com instituições da América Latina. Então eu disse: “Vou fazer esse negócio também”. 

Além da FGV, acabei prestando vestibular para a USP. Assim, entrei na Poli e na FGV. 

Vim para São Paulo, onde eu não conhecia nada, e passei a morar na Rua Vergueiro, em um escritório de um amigo. 

Eu acordava cedo e ia para a Poli, mas sempre chegava atrasado na FGV. Fiquei assim durante uns três ou quatro meses. E aí eu vi que a FGV era muito mais legal. A Poli era muito difícil. Na primeira prova, por exemplo, eu tirei dois. 

E aí eu pensei: “Quer saber? Acho que eu gosto mais de administração”. Na verdade, eu gostava mais da faculdade. E então eu tranquei a Poli e nunca mais voltei. 

Mas eu só escolhi a FGV quando saiu o resultado da minha bolsa, porque eu era bolsista lá. E aí eu consegui me financiar, porque consegui um estágio.  
Nos meus primeiros estágios, todos na área de economia, trabalhei com os professores que eram petistas. 

E aí eu me formei numa época muito boa: o Collor tinha confiscado tudo. Foi um desastre. 

A única coisa boa que eu ganhei naquela época é que, com a inflação alta e o confisco, a minha dívida da bolsa implodiu. No final, eu não devia mais nada. 

Olhando em retrospectiva, foi um período bom para os devedores, porque a inflação acabou com as dívidas, mas foi ruim para os poupadores.

E aí eu comecei a trabalhar em uma corretora pequena. Aquilo era basicamente uma seita. As pessoas decidiam o que comprar e o que vender baseado no que estavam falando. Mas eu queria aplicar o que eu tinha estudado há pouco tempo. 

Não sei se isso ainda existe, mas, na época, a Fundação Gastão Vidigal dava um prêmio em dinheiro para os melhores alunos de economia da USP e da FGV. Então, quem tivesse as melhores notas, ganhava um prêmio em dinheiro. E eu ganhei esse prêmio. 

E quando o Guto Vidigal, neto do Gastão Vidigal, ficou sabendo, ele me pagou o IBMEC. Quando cheguei no IBMEC, em um curso muito bom de mercado de capitais, encontrei alguns professores da FGV - e o Paulo Guedes - dando aula.

Ouvi ele falando que a única solução para o Brasil era a privatização. Na época, não tinha quem falasse disso no Brasil.

Como a gente vivia um período inflacionário, era impossível analisar balanços. Imagina comigo: você tem um ambiente em que a inflação é de 10 a 15% ao mês, e você publica o balanço de 45 em 45 dias.

Então você tem uma moeda em um mês e outra em outro mês, e aí, quando você olhava um balanço, ele já não significava mais nada. Por isso, as pessoas desistiram de olhar os balanços. 

O balanço em si era uma fotografia: existia a moeda X, da qual eu não me lembro o nome, e o câmbio do dia. Eu pegava o balanço, o câmbio do dia, e convertia todo aquilo em dólar. 

Praticamente não existia dívida, porque não tinha crédito para as empresas na época, apenas capital de giro, fornecedores, caixa e imobilizado. 

Assim, eu simplesmente pegava todas as empresas em que o caixa menos a dívida era maior que o valor de mercado. E como a gente vivia em uma época devastada de preços, eu encontrava várias companhias assim. Eu comprava aquelas ações para pessoas que eu conhecia, algo como R$ 5 mil. E essas ações subiam bastante, então eu realizava a venda e ficava procurando a próxima. 

Antigamente, eu tinha que pegar o balanço em papel, mas depois veio a Economática, que estava começando na época. Assim, tive acesso a mais empresas e muito mais rápido. 

E aí alguém da corretora, onde todo mundo ficava sentado em uma mesa enorme com um monte de telefone e fumando, percebeu que o moleque que ficava no canto tinha algum sistema. 

Na época, inventaram que eu fazia um estilo de trade e que isso estava funcionando. E aí mais gente começou a me perguntar o que eu estava fazendo. 

E eu, óbvio, pensei: “Bando de idiotas, eu sou um gênio. Vou fazer isso para mim também, mas alavancado”. 

Enquanto todo mundo compra um pouco, eu compro 5 vezes mais. 

E de 1992 até 1994 eu saí de 0 para US$ 250 mil. Hoje, esse valor daria quase US$ 1 milhão. Era bastante dinheiro. 

Então pensa em um cara arrogante e metido. Era eu nessa época. 

Quando eu terminei o IBMEC, pensei em fazer um MBA lá fora. Um amigo meu tinha ido estudar em Chicago. 

Prestei vestibular em alguns lugares, achei que seria selecionado em algumas universidades, mas eu queria mesmo era ir para Berkeley, na California. Chicago fazia -30°C, então eu não queria ir para lá. 

Eu precisava de US$ 45 mil para pagar os dois anos de MBA, mais US$ 25 mil para despesas e com mais US$ 30 mil eu comprava um Porsche e ficava 2 anos de Porsche na Califórnia. Então eu gastava US$ 100 mil e guardava US$ 150 mil para quando eu votasse, rumo ao infinito e além na minha carreira.

Mas nesse momento aconteceu o Plano Real. E o Fernando Henrique Cardoso seria eleito e iria privatizar tudo. E eu estava comprado em empresas privatizadas que estavam subindo. 

Pensei: “Quer saber? Eu vou no ano que vem, porque já vou ter US$ 1 milhão e vai ser melhor quando eu voltar”. 

Então o Fernando Henrique foi eleito e a Bolsa fez um último movimento de alta e não subiu mais. Logo em dezembro começou a cair.

E eu, alavancado, comecei a perder dinheiro.

- E aí, o que está acontecendo? – eu dizia.

- É o Pactual que está vendendo. É o André Jacurski que está vendendo – me respondiam. 

- Mas quem é esse Jacurski?

- O Jacurski é um dos donos do Pactual. E disse que vai dar merda. 

-  Mas vai ter privatização, o Fernando Henrique vai assumir, o governo vai crescer...

Só que o Jacurski, fundador do Pactual, já era muito mais esperto e sabia que estava acontecendo uma crise no México e que o Brasil tinha um sistema de câmbio que era baseado no modelo mexicano. Ele sabia que isso teria um impacto aqui.

Não deu outra. Veio a crise mexicana e a Bolsa brasileira caiu 50%. E, eu, alavancado, perdi tudo em três meses. 

Meu MBA foi rápido: em três meses, aprendi mais sobre os riscos de se operar alavancado e a necessidade de não confundir um bull market com genialidade. Até a eleição do Fernando Henrique, o mercado já tinha se multiplicado 5 ou 6 vezes. 

Nesse momento, aprendi que mesmo em um bull market , que nesse caso só foi terminar em 1997, você tem algumas correções. Naquele caso, de 50% em dólar. E que essas correções são mortais para quem não estiver preparado.

Na época, eu não sabia sobre os ciclos de alta, eu achava que eu era inteligente mesmo. Eu não sabia que eu estava surfando uma onda. E para mim, foi uma grande lição. Mesmo certo, você pode perder tudo alavancado. 

Um abraço, 

Pedro.

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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